tag:blogger.com,1999:blog-205701742024-03-23T15:19:17.792-03:00La PennaDo italiano, A pena. Ou caneta.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.comBlogger25125tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-21756123378439195892009-06-17T17:34:00.001-03:002009-06-17T17:36:21.372-03:00Espero que chova no meu funeral.Espero que chova no meu funeral. A chuva ajuda lágrimas a sair e disfarça os rostos secos. Detesto funerais sem chuva, não parecem legítimos. Nada mais triste para um morto que ser enterrado em um dia ensolarado, podiam muito bem enterrar um caixão vazio que não haveria diferença. Não que eu queira que todos derramem rios quando eu morrer, ou anseie pelo dia fatídico, longe disso. É simplesmente que fui a alguns enterros na minha vida e bem, em dias ensolarados, não é a mesma coisa. É como se faltasse algo. Como se faltasse um morto. Sinto que quando é em um dia chuvoso é mais fácil por tudo pra fora e depois superar a perda. Se não, sei lá, todos os outros dias é como se o morto nunca tivesse morrido. A mente apaga, esquece, lembra somente quando lhe convém, quando se quer abraçar o defunto, dizer-lhe algo, fica aquela coisa: ah é, não está mais aqui. Todos os sentimentos continuam voltando de tempos em tempos, todas as sensações ruins de perder alguém, toda a angústia de não poder falar todas as coisas que sempre, sempre, ficam não-ditas. Tem tantas frases não-ditas que seriam tão lindas se fossem simplesmente ditas. Aquele buraco que nunca se sabe do que é até lembrar que tinha alguém preenchendo ele antes.<br /><br />Queria ter te perdido num dia chuvoso.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-83420014076871733412009-04-06T16:48:00.001-03:002009-04-06T16:50:31.123-03:00Sapatos Azuis<div style="text-align: justify;">- Cara, eu to coberto de sangue. Vem pra cá agora.<br /><br /><div style="text-align: center;">***<br /></div><br />Eu estava voltado pra casa, andando na rua a cerca de umas sete quadras do meu apartamento quando o vi. Uma rua escura, com postes de luz afastados e não mais do que um por par de quadras, quase uma da manhã quando ele vinha na direção oposta. Eu tinha acabado de pegar a última sessão de cinema com a minha mãe e deixado ela no ponto de táxi. Nós vimos um filme qualquer sobre um drama idiota, nada de muito interessante e, diferente do habitual, eu e ela não havíamos brigado naquela noite. Ele tinha pele clara, mas mal se notava com toda a sujeira dele e a falta de iluminação. Caminhava com um jeito estranho, como se manco ou algo parecido. Provavelmente era só um mendigo maltrapilho que iria me pedir uns trocados para um trago, pensei. Não costumo negar trocados para outros beberem, sempre penso que um dia posso precisar que façam o mesmo por mim. Somente quando nos aproximamos que vi melhor sua silhueta, e que não caminhava daquele jeito por ser manco, parecia ter algo grande no bolso. Mau sinal, pensei. Ao acabar meu pensamento, ele já estava quase em cima de mim, tirando uma enorme faca de cortar carne da calça de abrigo.<br /><br />Não sei ao certo como ou mesmo porque fiz o que fiz em seguida, mas de alguma maneira consegui segurar sua mão antes que me ameaçasse e dar-lhe um soco no queixo que o derrubou. No tombo, perdeu a faca e ficou atordoado, embora eu só fosse perceber isso depois. Em vez de correr para longe eu pulei em cima dele e comecei a bater na sua cara como um louco. Ele possivelmente já estava desmaiado após o sétimo ou nono soco, mas eu não parei. Continuei socando seu rosto como se não houvesse amanhã até estar com os punhos todos vermelhos e ter exaurido toda a força de meus braços. Usei os cotovelos por um tempo mais e então, sem o menor sinal de razão, peguei a faca que estava ao alcance de um braço e cravei-a no meio de seu abdômen até sua ponta chegar ao chão. Eu levantei e ele estava estirado no chão entre a rua e a calçada, com a cabeça encostada no paralelepípedo. Não tive dúvidas e sem um pingo de remorso, chutei sua cara distorcida contra o cordão da calçada. Devo ter feito isso por uns dois minutos seguidos, apesar de não ter muita noção de quanto tempo se passou no ocorrido. Certamente parecia não acabar nunca. Não parei nem mesmo quando ouvi o “cleck” dos ossos quebrando. Quando finalmente cansei, tirei meu pé de onde outrora houvera um rosto humano. Agora, havia apenas um crânio partido e sangue por todos os lados, com pequenas partes de carne espalhadas, e algo que a meia luz não dava pra saber direito o que era, se um olho ou um pouco de cérebro. O impacto com o cordão da calçada tinha quebrado a parte de traz de sua cabeça, e a mandíbula se encontrava a uns dois metros dali. Eu olhei aquilo com as mãos na cabeça, sem compreender uma vírgula do que havia acontecido.<br /><br />Sem pensar, decidi sair dali. Estava a algumas quadras da minha casa, poderia ir pra lá e tudo ficaria bem. Com as mãos tremendo tirei um cigarro de um maço esmagado em meu bolso. Somente quando o levei ao rosto para acendê-lo que vi minhas mãos nas chamas do isqueiro que percebi o meu estado. Minhas mãos estavam mais ensopadas que as luvas de um açougueiro. Meus sapatos estavam cobertos por uma nova cor cobrindo o azul e branco original, e o que eu achava ser suor no meu rosto tinha uma consistência diferente. Tentei limpar o rosto com a camiseta branca que eu estava usando, somente para descobri-la encharcada de um vermelho escuro e ferroso. Eu estava coberto de sangue.<br /><br />Perplexo diante do meu estado, fumei meu cigarro escondido em um canto com medo de que me achassem. Estava com sorte, se é que se pode dizer uma coisa dessas, de ninguém ter passado por ali. Decidi que voltaria para a casa do mesmo jeito, evitando as ruas de maior movimento e de policiamento óbvio. Tentei sem muito sucesso limpar o sangue do rosto e segui em frente, ficando sempre na calçada mais escura. Não demorou muito eu tive que cruzar uma esquina atulhada de pessoas bebendo ao redor de um bar. Por sorte eram todos jovens muito focados em suas cervejas e baseados, ocupados demais para me notarem passando do outro lado da rua. Não fosse o barulho que eles faziam, poderia acordar os moradores das casas próximas com as batidas exageradas de meu peito nervoso enquanto esperava por um grito de denúncia. Mais três quadras caminhei por entre ruas mais escuras, fazendo um caminho maior do que o normal para evitar qualquer avenida. Somente uma mulher me viu nesse caminho e, horrorizada, correu para o outro lado da rua com a bolsa e o coração nas mãos. Eu estava fadado a ser visto, porém, à medida que me aproximava da movimentada rua cheia de bares onde morava.<br /><br />Quando cheguei à esquina de minha quadra vi alguns rostos incrédulos dos poucos passantes, graças à maldita rua iluminada, e soube que não podia ficar ali por muito tempo mais antes que alguém chamasse a polícia. Caminhei rápido tentando não correr ou chamar a atenção, mas não pude deixar de notar as conversas parando e os olhares voltando-se para mim à medida que me aproximava do meu prédio. Tive que caminhar por meia quadra, e foi a pior meia quadra de minha vida. Com as mãos trêmulas eu falhava ao tentar botar a chave na maldita fechadura do portão, sempre com a sensação de que a qualquer momento alguém me algemaria e me levaria para a delegacia. Quando finalmente entrei no prédio foi como se tivesse tido um breve orgasmo de satisfação. Não durou muito, porém, já que enquanto eu subia o primeiro lance de escadas eu ouvi vozes e passos vindo dos andares mais de cima. Corri para que conseguisse chegar ao apartamento antes de cruzar com alguém no corredor, subi o segundo lance de escadas a três degraus por vez para chegar ao meu andar. A maldita fechadura emperrada não abria normalmente sem muito jeito, e com o desespero que me tomava conta não havia jeito de abrir à medida que o som dos vizinhos descendo as escadas e conversando se aproximavam cada vez mais de meu andar. Quando estava quase no ponto de arrombar minha porta consegui, por fim, abri-la, e mal tive tempo de ver as sombras deles chegando no momento em que fechava a porta com um sonoro estrondo. Somente então, em casa, com a luz acesa, em frente ao espelho da sala, pude ver meu verdadeiro estado. Não era nada bonito.<br /><br />Eu havia limpado um pouco o sangue da cara embora ela ainda estivesse meio manchada. A camiseta impecavelmente branca estava tão suja que quem olhasse pensaria que eu que havia levado uma facada no abdômen. No pescoço e nos braços o sangue ainda estava meio pastoso, e havia até mesmo um pouco coagulado em partes de minha barba. A calça era certamente escura e ajudava a esconder um pouco na noite, mas à luz plena percebia-se perfeitamente que ele era mais escuro. Os sapatos, principalmente o direito, não tinham quase nenhum resquício de azul ou branco em suas superfícies. Eu então chorei. Depois, ri por uns minutos e chorei um pouco mais, em choque.<br /><br />Não tenho certeza que tanto medo eu tinha de ser pego. Eu não iria passar muito tempo na cadeia com um bom advogado, já que o ato poderia ser considerado em legítima defesa, mas devido às circunstâncias do ocorrido e do estado do falecido, provavelmente me colocariam em alguma instituição de acompanhamento psicológico por um bom tempo até terem certeza que eu poderia conviver em sociedade. Obviamente, não pensei em nada disso no momento. A única coisa que pensei após o surto de risos e choros, foi na maldita faca.<br /><br />Aquela faca tinha minhas digitais, e provavelmente o corpo também. Eu comecei a entrar em pânico pensando em ir para de trás das grades, e definitivamente tinha que voltar lá. Não no estado em que estava, e provavelmente não sozinho. Tinha que ter alguém caso já estivessem em volta do corpo, para que eu pudesse ter uma desculpa de estar lá, e quem sabe um álibi para o ocorrido. Ainda tremendo alcancei o telefone celular para ligar para um de meus melhores amigos que morava não muito longe dali, e tinha um carro. Tive que discar e apagar o número três vezes até conseguir acertar, visto que não tinha a menor condição de procurar algo na agenda do telefone. Chamou até cair na primeira vez. Na segunda, ele atendeu.<br /><br /><div style="text-align: center;">***<br /></div><br />-Alô, Fred? Sim, eu sei que é tarde. É, tu trabalha amanhã, eu sei. Mas cara, tu ainda tem aquela chave do meu ap? Não pergunta porra, tem ou não? Ta, vem pra cá, te explico quando tu chegar caralho, não posso abrir a porta do prédio. Cara, eu to coberto de sangue. Vem pra cá agora.</div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-7421955119084477092008-12-18T19:50:00.003-02:002008-12-18T19:53:09.090-02:00Dia de Jogo.<div style="text-align: justify;">Eles eram colegas de trabalho, nada demais. Ele estava trabalhando lá há uns três meses quando ela entrou. Ela nunca havia trabalhado em um restaurante antes, e tinha tido poucos empregos antes deste. A mando do gerente, ele começou a ajudá-la visto que ela era um tanto atrapalhada. Ele lhe deu dicas e a treinou bem, e em pouco tempo ela se tornou uma boa atendente. Trabalhavam à noite. O restaurante abria às seis horas, mas tinham que chegar as cinco para deixar tudo organizado. Fechavam à meia-noite, exceto nas sextas e sábados em que ficavam até mais tarde.<br /><br />Davam-se bem os dois. Apesar de não serem muito chegados no início, batiam um papinho aqui e ali. Tinham interesses semelhantes e algumas idéias parecidas, como todo mundo. Gostavam de filmes, de dançar, de sorvete, de lasanha, de música, essas coisas que quase todo mundo gosta. Ele tinha uma quedinha por ela, embora ele próprio ainda não soubesse disso. Em pouco tempo, começaram a se conhecer melhor. Nada muito intimo ou sério, coisas como a quantidade de universos existentes, o que estariam fazendo em cinco anos, opiniões sobre política, estilos de artesanato, times de futebol, parentes distantes e várias coisas mais abstratas. Estava tudo indo muito bem, até aquele dia.<br /><br /> Era uma quinta-feira. Chovia. Não era nenhum dilúvio, mas também não uma chuva de molhar bobo qualquer. Chovia o suficiente para espantar os clientes e deixar o lugar jogado as moscas. Para piorar ainda mais a situação, era dia de jogo. Quase todos os clientes do lugar tinham tevê a cabo, e os poucos não gostavam de futebol, não gostavam muito de chuva. Os únicos lugares com clientes eram botecos com tevê a cabo, que não conseguiam fechar devido ao grande número de torcedores das classes mais baixas comemorando ou lastimando o resultado do jogo. Às dez horas, o gerente dispensou a maior parte do pessoal. As onze foi a vez do gerente e de mais alguns irem embora, deixando apenas ela para fechar o caixa, ele para supervisioná-la e ajudar no fechamento do resto da loja, e uma pessoa na cozinha caso algum lunático aparecesse querendo comer algo até a meia noite. Ninguém apareceu e o cozinheiro foi embora quinze minutos antes para pegar o ônibus mais cedo. Os dois ficaram fechando a loja, e ela se demorou atrapalhou um pouco na contagem do caixa. Era a primeira vez que fechavam a loja juntos, só os dois. Era diferente.<br /><br /> Ele se trocou e esperou por ela para levá-la até a parada. Como nenhum dos dois havia levado guarda-chuva, caminhavam apertados nas pequenas marquises. A parada dela ficava a quatro quadras dali, e a dele duas quadras depois da dela. Antes do fim da primeira quadra tinham desistido das marquises e andavam normalmente pelo meio das calçadas, cabelos molhados no rosto e roupas encharcadas. Começaram a conversar e se distraíram, não notando o ônibus dela chegar até ser tarde demais, eles ainda a uma quadra e meia da parada. Ela praguejou, suspirou e riu, tendo perdido o último ônibus da sua linha. Agora teria que pegar um táxi. Ele disse que rachava o táxi com ela, que era caminho (mesmo não sendo). Ela concordou e foram caminhando até um ponto de táxi algumas quadras dali.<br /><br />Obviamente, não havia táxis no ponto naquele exato momento. Decidiam esperar em um barzinho na mesma quadra, que não conseguia fechar por causa dos torcedores embriagados comemorando a vitória do time. Eles sentaram em uma mesa que poderiam cuidar o ponto pela janela, pediram uma cerveja e se puseram a botar papo fora para passar o tempo. Na terceira cerveja, por volta das duas da manhã, falavam sobre as preferências dos homens nas mulheres e o padrão de beleza atual. Conversa de bar. Ela diz convicta que, para todos os efeitos, ela não era uma mulher bonita. Ele a olha.<br /><br />Seus seios soltos, sem sutiã embaixo do moletom azul molhado pela chuva. Cabelos negros ondulados pingando água em sues ombros, os olhos castanhos fitando-o e a calça delineando suas coxas voluptuosas. Um sorriso em seus lábios rosados levemente rachados do frio. Ele responde.<br /><br />-Eu te acho linda. Linda e sexy. Tu é a mulher mais sexy que eu conheço, e um dia ainda vou te levar pra cama.<br /><br />Ela ficou atordoada, silenciosamente chocada. Um turbilhão de pensamentos tomou conta da cabeça dela, em um espaço de tempo não maior que um instante.<br /><br />"O que ele quer dizer com isso? Como ele me fala uma coisa dessas assim, na cara, sem nem ficar vermelho! Aimeudeusaimeudeuselegostademim! Será? Só quer transar e depois ir embora, com certeza. Mas ele trabalha comigo! Ele até que é bem bonito, e tem umas mãos tão firmes. Essa foi a coisa mais bonita que já me disseram em toda minha vida. Que atrevimento! Um dia, vou levar ele pra cama."<br /><br />O instante passou e ele estava ali, na sua frente, sorrindo, a sua mão em cima da dela, a outra no copo de cerveja. Estava verdadeiramente ali. Ela sentiu um desejo, um impulso, uma vontade incontrolável, maior que ela, maior que tudo que ela experimentara antes, maior que o universo. Agarrou a nuca com poucos cabelos molhados, puxou-o para perto de si e beijou-lhe com toda paixão e desejo que sentia.<br /><br />Pediram a conta.</div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-2711343151332800852007-05-28T23:03:00.000-03:002007-05-28T23:04:27.807-03:00Ventilador<div style="text-align: justify;">I.<br />Ela dormia tranqüila. Ele olhava fixamente o teto e o movimento rápido do ventilador. Ele estava cansado, mas não conseguia dormir, nunca conseguia. Tirou a mão dela pousada sobre seu peito com cuidado para não acordá-la com o movimento. Não queria que ela acordasse, ela estava dormindo um sono tão profundo, tão bonito. Passou por cima do corpo dela com a mesma cautela com que havia afastado o braço e, quando ela pareceu sentir o movimento, deu-lhe um beijo na testa e disse-lhe para que dormisse, que ele já voltava.<br /><br />A televisão sem som passava um drama antigo, daqueles filmes bons que emocionam um homem durão e fazem alguém mais delicado verter lágrimas. Ele sorriu para uma cena familiar (havia visto esse filme mais de cinco vezes) e saiu do quarto a passos silenciosos. Lavou o rosto no banheiro, molhando-o por três vezes antes de começar a ensaboar. Estava com calor, tirou a camiseta branca sem estampa que usava para dormir ou sair nos feriados. Não era feriado. No espelho, as marcas no pescoço e nas costas e as olheiras em seu rosto denunciavam os feitos da noite passada, bem como o cansaço pela noite não dormida. Secou o rosto na toalha, e tornou a molhá-lo convencido de que estava muito quente àquela noite. Saiu do banheiro.<br /><br />Foi em direção à sacada do apartamento, deixando a camiseta no caminho em um canto do quarto dela junto com suas cosias, aproveitando para pegar o isqueiro e os cigarros. Abriu a porta da sacada com todo o cuidado e passou por uma fresta pequena, fechando-a atrás de si. Apoiou-se no parapeito com as duas mãos à distância de um braço uma da outra, como sempre fazia em sacadas. Olhou para o céu sem nuvens e torceu para que as nuvens chegassem, para que chovesse no dia seguinte. Acendeu um cigarro e pôs-se a pensar sobre todas aquelas coisas irrelevantes que todas as pessoas pensam quando estão sozinhas. O cotidiano, o futuro, o que ele iria fazer amanhã, como se manteria no emprego, se iria embora antes do meio dia para almoçar em casa, se sua irmã estava se alimentando direito, se as ruas não estavam muito perigosas para uma menina de sete anos brincar até as oito da noite, se esse calor não vai passar e onde ele pretendia estar daqui a dez anos. Todas aquelas coisas irrelevantes que todas as pessoas pensam quando estão sozinhas. Acabou o cigarro. Ele resolveu checar ela, ver se estava tudo bem.<br /><br />Ela dormia ainda, num sono um pouco mais agitado, em uma outra posição, bem diferente da primeira. Dormia de bruços, uma das pernas encolhida, a outra totalmente esticada. A mão perto do próprio peito, como que protegendo algo, a outra embaixo do travesseiro. Um rosto levemente espantando e suado em meio a um sono agitado. Ele deu-lhe um beijo e segurou um pouco sua mão. Ela se acalmou um pouco e nos seus lábios se formou um pequeno sorriso, ela não respirava mais ofegante. O apartamento todo silencioso, a luz da televisão e a do banheiro sendo as únicas acesas, ouvia-se às vezes o som dos gatos da vizinha miando por comida, ou o barulho das patas deles no assoalho de madeira, quando pulavam. Ele deitou-se ao lado dela e deixou que o braço dela pousasse novamente em seu peito. Apoiou a cabeça em sua própria mão, olhando para o teto. O ventilador ainda girava. Ela dormia tranqüila.<br /><br /><br />II.<br />Ela acordou suada. Despertara de susto, olhando de perto o rosto dele. Mudo, de boca aberta, voltado para cima, com o braço dobrado um pouco ao lado da cabeça. Fazia muito calor àquela noite, e o contato do corpo dele no dela fazia ambos transpirarem mais. Ele dormia pesado. Ela respirou aliviada por ele estar dormindo. Ele quase nunca conseguia dormir direito, não queria acordá-lo justo no sono mais profundo. Levantou o torso com cuidado, embora não o suficiente para que os cabelos não roçassem na barriga dele, que instintivamente se encolheu com as cócegas. Ela havia dormido do lado de fora da cama, mas estavam com as posições trocadas, e o lado dela agora dava de frente para a parede. Por sorte, ele não acordou, nem com as cócegas nem quando ela passou por cima dele para sair da cama. Espreguiçou-se em silêncio, abrindo os braços para o ventilador veloz e deixando que o suor da sua nuca e entre seus seios nus secasse lentamente com o vento. Teve sede.<br /><br />Caminhou até a cozinha na ponta dos pés, não pelo barulho, mas por puro hábito de usar salto. Não se preocupou em acender a luz e abriu logo a geladeira e o congelador. Respirou o ar frio por um instante enquanto ele saia do eletrodoméstico para envolvê-la em seus braços incorpóreos. Agarrou um copo do secador de louças e serviu-se de água gelada. Arrancou em seguida os gelos da forma, sempre três, sempre depois do líquido já servido. Gostava de colocá-los um por vez no copo cheio e vê-lo quase transbordar. Bebeu aquela água como se fosse a mais deliciosa das bebidas, e realmente o era em seus lábios sedentos de sede. Fechou a geladeira e o congelador ao mesmo tempo, acabando com a suave brisa que havia livrado momentaneamente ela do calor. Olhou a cozinha.<br /><br />Na pia ainda jazia um resto de louça suja da janta dos dois, mas ela não tinha vontade ou disposição para tratar disso agora. No cesto de frutas somente uma maçã provavelmente não muito boa, mas era sexta-feira e no sábado compraria muitos limões para a caipirinha, poderia comprar umas maçãs também e quem sabe um mamão. No fogão a chaleira onde aqueceria a água para o café quando amanhecesse, pois ele gostava de café passado na hora. Sobre o balcão onde largava as chaves, metade de uma barra de chocolate a olhava maliciosamente. Ela ficou em dúvida por um instante. Lembrou-se dos elogios do homem que agora dormia em sua cama fizera ao seu corpo na noite passada e decidiu que podia se dar ao luxo de comer um bom chocolate. Devorou-o por inteiro, vertendo mais dois copos de água com gelo e lambuzando os lábios no processo.<br /><br />Foi até a pia e se lavou apenas com água, secando as mãos no corpo para se refrescar. Pensou por um instante se não deveria ter guardado um pedaço de chocolate para ele, mas era a casa dela e ele não gostava muito de chocolate, não se importaria. Pensou em ligar o som por um instante, num volume baixo, na sala de estar, mas mesmo assim acabaria por acordá-lo e desistiu da idéia. Caminhou um pouco sem pensar e da sala foi para a sacada. A brisa que passou foi deliciosa naquela noite quente. Ele havia deixado o cigarro no parapeito da janela, bem como seu isqueiro favorito, o prateado. Ela fumou com sua calma natural, distraindo-se com os poucos carros que passavam pela rua àquela hora. Não queria mais nada.<br /><br /><br />III.<br />Acordou deitado de bruços, babando no travesseiro. O braço, ainda dolorido devido ao peso do corpo sobre ele, certificava-se de que não havia ninguém ao lado na cama. Virou-se para cima e ficou a contemplar o giro veloz da hélice do ventilador de teto no escuro-claro do quarto. Levantou-se com o relógio marcando quatro e quinze da madrugada, embora os relógios dela estivessem sempre adiantados oito minutos, e ele soubesse que na realidade ainda eram quatro e sete.<br /><br />Foi ainda nu até o banheiro. Lavou o rosto e o pescoço, numa tentativa infrutífera de se livrar do calor. Olhou fundo nos olhos cansados de seu rosto que apareciam espelho. Precisava dormir mais, essa insônia estava lhe matando. Entre o fechar da torneira e o abrir da porta do banheiro, ouve o bater das patas de unhas não cortadas de um gato contra o chão no apartamento ao lado. Segue o cheiro de fumaça amarga até a sacada da sala, de vista para a rua. Ela estava ali, o tempo todo. Os pés descalços na laje fria, os braços apoiados no parapeito da sacada, a calcinha preta aumentando a sensualidade das curvas voluptuosas de seu corpo iluminado de leve por um dos postes da rua, o cigarro na ponta dos dedos e a fumaça saindo de sua boca e sendo carregada por uma leve brisa noturna. As mais belas costas nuas que ele já havia visto. Abstraída da realidade em seu cigarro e nas luzes brilhantes da madrugada, não o notou se aproximando até que chegasse bem perto. Beijou sua nuca, eriçando os poucos pelos que ela tinha. Ela acabou o cigarro, inclinou a cabeça para trás e lhe beijou a face. A mão esquerda dele cobriu o seio excitado dela, massageando seu mamilo. A direita desceu pela barriga e entrou dentro da calcinha para penetrar o sexo dela. Transaram ali mesmo. Não importava se seriam flagrados, presos ou se os filmariam e colocariam na Internet. Não importava que estivesse quente, que estivessem cansados ou que pela manhã ela iria à feira e ele talvez não almoçasse com ela. Não importava o futuro deles, juntos ou não, ou o passado que tiveram. Não importavam as estrelas da noite, os carros velozes ou os gatos da vizinha. Nada importava, nem mesmo eles importavam mais. Só importava a vontade. Só importava o agora.</div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-51129673977204103722007-03-05T03:38:00.000-03:002007-03-05T03:59:43.928-03:00Cinza<div align="justify">Chegou em casa cansado. Molhado, derrotado, falido, desesperado. Cambaleou porta adentro, embriagado. Abriu a geladeira, nada para comer, duas cervejas e um vinho avinagrado. Pegou uma cerveja, abriu-a, tomou um gole. Sentiu enjôo, já havia bebido essa noite, alguma outra coisa, provavelmente whisky, sempre levava o junto de si um pouco, principalmente no inverno. Era inverno. A cerveja lhe fazia mal, tomou metade em largos goles e sentiu vontade de vomitar. Entrou no quarto escuro, foi até o banheiro, abriu a tampa do vaso e mijou. Detestava o ato de mijar, sempre tão urgente, tão incômodo, tão vulgar. Acendeu a luz do banheiro e viu que não errara a pontaria, pelo menos dessa vez. Olhou sua cara no espelho, meio torta, cansada, perdeu-se em reflexões sem importância. Tirou a carteira de cigarros do bolso, pegou um com a boca enquanto procurava o isqueiro entre os bolsos, achou, no bolso de trás da calça, sempre colocava no da frente, havia se enganado na última vez. Acendeu o cigarro, deu um tragada longa, longa demais, olhou para cima, soltou a fumaça, sentiu calor. Tirou a camisa molhada da chuva, tonteou, caiu no chão do banheiro, o cigarro aceso entre os dedos. Como diabos eu cai?, pensou. Deu outra tragada, soltou a fumaça para cima, olhou para o lado enquanto soltava o final da fumaça. Perto do vaso sanitário, uma barata.<br/><br/>Levantou no susto, a barata correu também no susto. Ele a esmagou com a sola do sapato preto ainda molhado, ainda meio tonto. Nojo. Nojo de baratas, sempre teve, nunca ia deixar de ter. Sentou no vaso com a tampa abaixada, deu outra tragada. Pegou o papel higiênico, limpou os restos mortais do monstro de seu sapato, soltou a fumaça, limpou o chão com outro pedaço, jogou ambos no lixo. Levantou-se, lavou o rosto com a mão direita, segurava o cigarro com a outra, era canhoto. Molhou todo o chão do banheiro. Tirou os sapatos e as calças, jogando-os no quarto escuro. Molhou-se mais uma vez, estava molhado da chuva, sentia muito calor. Foi para o quarto.<br/><br/>Tropeçou nos sapatos ao tentar achar o interruptor, achou-o, o quarto já não era mais escuro. Uma cadeira e uma mesa com papéis e a velha máquina de escrever num canto, coberta de pó, será que ainda funcionava?, pensou. Provavelmente não, não escrevia nada há anos, perdera os sonhos juvenis de ter algum futuro literário. Uma cômoda com quatro gavetas e um rádio antigo AM/FM em cima. Um cabideiro onde pendurava em cabides algumas poucas camisas (sempre gostou mais de camisetas, lhe davam um ar mais jovem) e um colchão de casal estendido no chão. Esse era o quarto. Acabou o cigarro de pé ao lado do interruptor, jogou o toco num canto cheio de tocos, o qual ele juntava uma vez por mês ou algo assim. Deitou-se na cama de lençóis desarrumados trajando apenas a roupa de baixo. Sentiu-se tonto de novo, enjoado, e com sede. Lembrou da cerveja esquecida na cozinha, levantou-se e quase caiu de novo, mas conseguiu manter-se de pé e foi pegar a cerveja. Tomou um gole, ainda tonto, ainda com sede, mais enjoado. Acabou a cerveja e sentiu vontade de vomitar de novo. Tornou ao banheiro.<br/><br/>Lavou a cara mais uma vez. Estava muito calor aquela noite. Não queria vomitar, sentia nojo, sua barriga doía muito com as contrações, o gosto era horrível. Pôs o dedo na boca e forçou o vômito. Treze minutos vomitando. Detestava aquilo, não queria vomitar. Nojo, barriga doendo, gosto ruim. Lavou-se e deu a descarga, lavou-se novamente. Foi até as calças e pegou mais um cigarro. Acendeu, deitou na cama revirada de lençóis suados, fumou até o fim deixando as cinzas caírem no chão. Adormeceu.<br/><br/></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-80248782019086723292007-02-23T02:22:00.000-02:002007-02-23T04:17:08.848-02:00Libertação<div align="justify">“trim trim.”<br/><br/>Ele despertou devagar. Na cabeça ecoava o som estridente. Virou-a lentamente, tudo girava graças ao porre da última noite. Olhou para o relógio.<br/>“trim trim.”<br/><br/>Dez horas da manhã. Sábado. Ninguém deveria acordar antes do meio-dia no sábado. Deveria ser proibido. Toque de recolher às oito da manhã e lei de silêncio até o meio dia. Todos os aparelhos barulhentos, carros, relógios, pessoas, todos desligados.<br/>“trim trim.”<br/><br/>Especialmente telefones. Que tipo de imbecil telefonava para alguém sábado as dez da matina? Que tipo de imbecil telefonava para <i>ele</i> a essa hora? Sentou-se na cama.<br/>“trim trim.”<br/><br/>O sol entrava pela janela direto no sou rosto. Sol filho da puta, ele resmungou. Pôs seus chinelos. Coçou o saco. Acostumou os olhos apertados.<br/>“trim trim.”<br/><br/>Nunca lembrava de desligar a droga do telefone antes de sair, tampouco quando chegava bêbado. Pensou em colar bilhetes para ele próprio, pois vivia esquecendo das coisas, mas, apesar de ter comprado papeizinhos auto-adesivos para os ditos, nunca lembrava de escrever um só que fosse.<br/>“trim trim.”<br/><br/>O barulho já estava lhe fazendo a cabeça rodar. O barulho e a ressaca. Atendeu e disse:<br/><br/><br/>-Espere.<br/><br/><br/>Levantou-se. Alguém falava algo do outro lado, mas o braço com o telefone pendia ao lado do corpo, longe demais para que ele escutasse qualquer coisa. Foi até o banheiro, largou o telefone sobre a pia e a pessoa do outro lado ouviu um forte estrondo. Ele levantou a tampa do vaso com a calma e a graça de um gato gordo, botou seu pau para fora e começou a mijar. Deve ter mijado um litro antes de finalmente dar a descarga e lavar as mãos. Secou-as.<br/><br/>Pegou um cigarro do maço do banheiro. Tinha um ou mais maços espalhados pelas peças do apartamento. Isso evitava que tivesse que sair da privada ou de perto do fogão ou mesmo levantar da cama quando queria fumar. O mesmo valia para fósforos. Detestava isqueiros.<br/>Riscou um fósforo e acendeu o cigarro. Deu uma longa tragada, daquelas de comerciais de TV, e soltou calmamente a fumaça. Pegou o telefone.<br/><br/><br/>-Fale.<br/>-Alô, Moacir? Porra, você me deixou esperando meia hora nessa merda de telefone!<br/>-São dez e treze. O telefone tocou as dez em ponto, eu atendi as dez e quatro, então você está esperando faz míseros nove minutos. Porque me acordou seu bosta? Sabe que não levanto antes do meio-dia aos sábados. Normalmente só depois das duas.<br/>-Preciso de um favor seu, cara.<br/>-E o que diabos não pode esperar até as duas da tarde e tem que me acordar a essa hora, Cláudio?<br/>-Você precisa vir pra cá, cara.<br/>-Vai à merda.<br/>-Sério cara, tou encrencado, preciso da tua ajuda.<br/>-Porra, ta, em uma hora tou ai.<br/>-Uma hora!? Não da pra chegar antes? É perto!<br/>-Não fode. Uma hora. Vou me apressar, mas antes disso não chego.<br/>-Tá legal, tou te esperando.<br/><br/><br/>Moacir desligou. Atirou o telefone na cama. Olhou-se no espelho e espremeu uma espinha a direita do queixo enquanto segurava o cigarro nos lábios. Foi até a cozinha e bebeu um copo d’água. Abriu a geladeira, queria fazer uma omelete. Estava sem ovos. Comeu um sanduíche. Ele fazia vários de uma vez e os deixava prontos na geladeira, em uma bandeja. Fazia dois pacotes de pão por vez. Usava para fazer torradas ou comia-os assim, com presunto e queijo. Ainda tinha sete da última remessa.<br/><br/>Foi até a sala, parou em frente ao aparelho de som. Antigo, havia herdado de seu pai, Ernesto, tocava vinil e fita cassete apenas. Tinha quatro caixas de som grandes e potentes, uma em cada canto da sala. Alguns vizinhos o detestavam por isso. Mas fora a música alta ele era um rapaz simpático. Além de que, nunca ligava o rádio alto antes das dez da manhã, pois estava dormindo, nem depois das dez da noite, pois normalmente estava na rua. Havia acoplado um pequeno aparelho ao som, para tocar os poucos CD’s que tinha, não mais que quinze seguramente. Apreciava vinis, herdou a paixão do velho pai. Escolheu um vinil dentre seus preferidos, todos os de Mozart. Sempre preferiu Mozart a Ludwing. Dançou um pouco como um bailarino louco, por uns quatro minutos de música.<br/><br/>Largou o toco no cinzeiro da sala. Ele também tinha um cinzeiro em cada ambiente, tal quais os cigarros e os fósforos. Pegou uma toalha na gaveta das toalhas. Tinha cerca de quinze toalhas, todas azuis, nunca as repetia sem estarem limpas. Lavava-as normalmente na segunda à noite. Foi ao banheiro, despiu-se das cuecas e entrou no chuveiro. O banho morno, nem quente nem frio, não importava se era verão ou inverno. Era primavera. Banhou-se e saiu do chuveiro. Secou-se, acendeu outro cigarro. Logo vou ter que botar outro maço no banheiro, pensou. Foi nu até a sala, virou o disco. Na cozinha, abriu a geladeira e comeu mais um sanduíche, nu em frente à porta aberta. Nunca se resfriava.<br/><br/>Caminhou, saltando às vezes no ritmo dos violoncelos da música, até o quarto. A ressaca havia passado depois do banho, pelo menos parte dela, e ele aumentou a música no caminho. Escolheu a roupa cuidadosamente. Sandálias de couro, calça branca de algodão, camisa azul claro, da mesma cor das toalhas. Pensava se ia de chapéu ou não. O tempo estava nublado, acabou por colocar um colar budista que era de sua mãe. Na sala, guardou o vinil na caixa, depois desligou o aparelho. Girou a chave de casa as dez e cinqüenta e sete. No corredor deu bom dia a vizinha a qual ele não sabia o nome, mas sempre cumprimentava. De pé tão cedo Moacir? Ele respondeu com um sorriso simpático, e uma cara de quem diz: pois é, tu vê só. Desceu pelo elevador antigo<br/><br/>Pela calçada, andou despreocupado com o resto do mundo, sendo quase atropelado por um fusca vermelho ao atravessar à rua. Caminhou por cinco quadras até chegar a uma pequena feira de produtos agrícolas, onde comprou uma dúzia de ovos. Andou por mais duas quadras e então teve preguiça de caminhar o resto do caminho e pegou um táxi para percorrer os poucos quarteirões restantes. Pagou o táxi, três reais e cinqüenta, e desceu indo de encontro ao prédio de Cláudio.<br/><br/>Tocou o apartamento 202 e esperou. “Quem é?” perguntou uma voz nervosa ao interfone. “Sua mãe, agora abre essa droga, Cláudio”. Cláudio apertou o botão para abrir a porta e Moacir entrou no prédio. Subiu as escadas visto que não havia elevador no prédio. Terminou a subida ofegante, levando a mão ao peito com muita dificuldade para respirar. Acendeu um cigarro. Bateu a porta de Cláudio. Está aberta, ouviu-o gritar de dentro. Entrou e fechou a porta atrás de si, girando a chave exatamente as onze e trinta e dois. Caminhou para dentro da sala de estar e, ao sentir um cheiro estranho, falou:<br/><br/><br/>-Cláudio, o que você andou cozinhando aqui? Esta merda de apartamento esta com um cheiro horrível.<br/>-Como se você sentisse muitos cheiros com esse seu nariz de perdigueiro! Você fuma desde seus treze anos Moacir! – gritou Cláudio do banheiro.<br/>-Sério cara, esse lugar está fedendo. Tem algum bicho morto por aqui?<br/>-Tem.<br/><br/><br/>Nesse exato momento Cláudio saiu do banheiro apontando uma <i>Sig-Sauer P220</i> com silenciador para o meio da testa de Moacir. Um único tiro para que ele, que vinha de frente em direção ao banheiro, caísse de costas no assoalho, derrubando a sacola com ovos. Cláudio resmungou alguma coisa sobre os ovos e limpou a sujeira deles, colocando-os no lixo. Em seguida pôs o corpo de Moacir em um grande saco plástico e arrastou-o para o segundo quarto, o que não era o dele, onde havia mais sete sacos pretos semelhantes, dos quais saia um forte odor de decomposição. Ele limpou o sangue panos úmidos e seguiu para o seu quarto. Parou na frente da mesa de cabeceira e pegou um pequeno caderno azul e uma caneta. Pôs-se a escrever:<br/><br/><i>“Querido diário, o psicanalista tinha razão. Jamais poderia me suicidar sem pensar em como ficariam meus amigos e parentes próximos, o quanto eles sofreriam com tudo isso simplesmente por eu ter resolvido ‘escapar dos meus problemas’. Seria simplesmente muito egoísmo de minha parte ficar livre de todo esse mundo decadente e deixá-los aqui para apodrecer nesse lugar o resto de suas vidas. A cada um que passa fica mais fácil. A única que deu trabalho foi a minha mãe, ela realmente não queria morrer, coitada. Tenho certeza de que vai me agradecer mais tarde, quando eu a alcançar. Apenas mais alguns dias, alguns poucos amigos com os quais eu realmente me importo para tirar daqui e então seremos todos livres. Todos!”</i><br/><br/> Levantou calmo e deixou o diário em cima do travesseiro, na cama. Alongou as costas e deu um longo bocejo para relaxar os músculos. Foi até o telefone e discou um número.<br/><br/>“tuuu”<br/><br/>“tuuu”<br/><br/>“tuuu”<br/><br/>-Alô, Dorinha?<br/><br/><br/></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-43829831274038737562007-01-28T01:55:00.000-02:002007-01-28T01:58:52.627-02:00EsfoladosEle saiu de casa pela manhã para fazer seus exames. Revisão normal, a cada seis meses, só para ver se estava tudo funcionando direito. Geralmente não estava. Fez os exames de sangue e urina pela manhã e marcou uma tomografia para à tarde. Era dez e meia da manhã quando saiu do hospital. Ele sentia-se num ambiente familiar, provavelmente passava tempo demais no hospital, mais do qualquer pessoa dentre as que não trabalhavam lá. Bom, talvez não mais do que o pessoal da UTI, mas vários dos atendentes e médicos lembravam-se dele de algum caso.<br /><br /> Saiu de lá e foi passear num shoping próximo. Eles abrem as dez. Esta certo que ele normalmente não levantava antes das dez, ou das dez para o meio-dia, mas sempre pensou que os shopings deveriam ficar abertos com todas as lojas funcionando 24 horas. Ou pelo menos abrir as oito, como o comércio normal. Claro, a única vez que trabalhou num shoping ele pegou o turno da tarde, então realmente não se importava com as pessoas que teriam de acordar duas horas mais cedo para trabalhar. Se ele morasse em uma grande cidade turística, os shopings funcionariam 24 horas. Talvez ele se mudasse pra uma. Ou talvez não, cidades turísticas são muito agitadas mesmo.<br /><br /> Foi na livraria. Não, não tinha livraria, ele foi à Saraiva Mega Store. Não dava pra chamar de livraria, não tinha o ar de livraria. Eles tem sofás para sentar e ler qualquer livro da loja, e um café também, ciber-café, aqueles locais com Internet e café, além de ter um lugar cheio de CD’s, DVD’s e alguns ET’s procurando músicas barulhentas. Isso tudo era legal até certo ponto, mas chegava uma hora que enchia o saco, não tinha clima de livraria, não como um bom sebo. E tinha muita luz, muitos corredores pequenos, as prateleiras deviam ser maiores. Em resumo, uma merda.<br /><br /> Ele pegou um livro pra ler apesar de tudo. Um desses autores modernos com nomes engraçados. Não tinham nomes de escritores, eram nomes engraçados. Não iriam durar uma década, nem mesmo um deles. Um livro de sucesso e acabou, ou às vezes nem isso. Alguns duravam mais um pouco, e esses eram os “grandes escritores da literatura atual”. Uma grande merda, isso sim. Guris de merda que não sabiam o que escreviam, e outros merdas que compravam e não entendiam, então estava tudo bem. Ele leu alguma coisa durante uma hora ou um pouco mais. Então teve fome, saiu para comer.<br /><br /> Passeou pelo shoping até a praça de alimentação. Luzes e músicas diferentes em todas as lojas, era engraçado de ver, tudo tão exagerado. Olhou umas roupas numa loja. Um vendedor lhe perguntou se tinha trabalhado na filial de capão da canoa. Não, nunca trabalhei em nenhuma praia, ele respondeu, mas passei o verão em capão várias vezes. O vendedor falou alguma coisa sobre ter achado o rosto familiar. Ele nunca tinha entrado na loja, e nem sabia da existência de uma filial na dita cidade. Não disse nada para não ficar chato, apenas saiu. As roupas eram bonitas, mas estavam caras demais todas, ele não queria tanto assim uma roupa nova.<br /><br /> Andou por toda a praça de alimentação sem vontade de comer nada, apesar da fome. Hora do almoço, todos naquele agito de comer, todos os lugares lotados, cheios de pedidos, cobrando absurdos por arroz, bife e umas fritas. Era demais pra ele. Saiu do shoping pensando onde ia comer, até que viu um carro de cachorro quente. Pediu um cachorro e um refrigerante. Foi para o meio de um parque com eles.<br /><br /> Passou umas quadras esportivas, uma pista de ciclismo e finalmente chegou num gramado verde. Grama verde, árvores verdes, tanto espaço aberto sem ninguém. Era tão bom. Ele sentou embaixo de uma grande árvore. Minutos depois viu que não tinha muita sombra e percebeu que estava sentado embaixo da única árvore morta. Enquanto todas as outras estavam verdejantes no final da primavera, ela estava lá, seca.<br /><br /> Ficou imaginando porque não ia mais vezes naquele lugar, um lugar tão bonito. Definitivamente iria voltar lá, pra ler um livro ruim ou algo assim. Acabou seu almoço tão vagarosamente quanto um bicho preguiça e pôs-se a descansar um pouco deitado no gramado. Cochilou por alguns minutos, então abriu os olhos e viu os galhos retorcidos da árvore morta. Fazia anos desde a última vez que subira numa árvore. Resolveu tentar a sorte.<br /><br /> Levantou-se, alongou um pouco os músculos completamente atrofiados devido à idade e ao sedentarismo e foi em direção à árvore. Uma mão, depois a outra, pensou ele, não deve ser difícil. Não conseguiu na primeira, nem na segunda tentativa. Somente na terceira conseguiu subir para a parte da árvore onde o tronco se dividia em três galhos mais grossos, que ao longo de seu comprimento se dividiam em algumas dezenas. Orgulhoso de ter subido na árvore e se sentindo dez anos mais jovem, subiu mais um pouco num dos três galhos mais grossos. Parou onde ele achou um conveniente espaço para encostar as costas enquanto admirava a paisagem do resto do parque, exatamente quando começava a sentir certo medo da altura. Sentiu uma pequena dor nos braços e de repente viu-os esfolados, com um mínimo de sangue neles. Ainda estava vivo afinal, pensou ele.<br /><br /> Ficou ali por um tempo, sem fazer nada. Olhando as formigas, o quanto elas sobem e descem à árvore morta, e o musgo que se criara nas partes mais úmidas. Olhou para as árvores em volta e para as pequenas coisas ao redor delas. Então ele viu ao longe a rua que separava o parque da cidade. Tantos carros passando, tanto barulho vindo de lá, tanta fumaça. E o shoping mais ao longe, estragando completamente a vista do horizonte. Era tudo tão belo na natureza, porque diabos o homem tinha que estragar tudo? Resolveu não pensar nisso, e deixar a coisa toda de ser idealista e tentar mudar o mundo para os mais jovens. Ele próprio já tinha tido a sua dose, e o mundo não mudou em nada.<br /><br /> De repente, prestou mais atenção ao detalhe de uma árvore. Um coração, daqueles com dois nomes dentro, gravados a canivete ou faca. Algo que não se vê mais com tanta freqüência, pensou ele, normalmente, foi substituído por pichações em paredes e paradas de ônibus com o mesmo propósito. Ficou imaginando de quem eram aqueles nomes... De quando eram? O casal ainda freqüentava o parque? Ou fugiram para a Europa com a moça grávida, para tentar a sorte de algum jeito? Será que eram dois jovens que acreditavam na existência de um amor eterno? Ou dois velhos brigando em um apartamento, sem se suportar e morando junto apenas por condições econômicas? Eles poderiam ter sido o mais romântico dos casais de sua devida época, ou talvez o garoto apenas escrevera isso para impressionar a moça, comê-la e jogar fora. Eram tantas as possibilidades. Ficou curioso e decidiu ver o nome do casal depois, só por curiosidade.<br /><br />Ainda continuou mais um tempo ocioso em cima da árvore morta, até se entediar por completo e resolver se dirigir para o hospital. Desceu da árvore e ainda machucou mais um pouco os esfolados. Riu por um momento ao pensar na idéia de alguém com a sua idade com braços esfolados de subir em árvores. Então seguiu em frente seu caminho para o hospital, caminhando por meio aos carros e edifícios.<br /><br /> No hospital, fez sua tomografia e aproveitou para marcar um raio-x para um pouco mais tarde, pois tinha tempo. Após ambos os exames completos, deu tchau para Odete, Marilda e Claudia, as três enfermeiras que mais gostavam dele, de todas as sete que ele sabia o nome. Despediu-se também do seu urologista, que estava no plantão, como todas as quartas-feiras. Só então saiu do ambiente familiar e confortável que lhe era o hospital, e foi para sua casa tirar aquele cochilo das nove e quarenta da noite que o fazia dormir melhor mais tarde. Só quando deitou é que percebeu: havia esquecido completamente de olhar quais eram os nomes dentro do coração na árvore do parque, perto da árvore morta. Volto lá amanhã, pensou, e dormiu babando no travesseiro como uma criança de sete anos.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1165057176045097732006-12-02T08:53:00.000-02:002006-12-02T08:59:36.060-02:00Filé ao alho e óleoPai e filha estão no meio de um jantar. Ele cozinhou um prato especial para aquela noite. Noite de quarta-feira, noite especial, noite da semana em que a filha sempre janta com o pai. Ele não trabalha muito. Ela trabalha demais, sai demais, tem amigos demais, amigas demais. O pai tem alguns velhos amigos. O suficiente, ele sempre diz quando questionado por que não faz novas amizades. Novas amizades nem sempre são fáceis para alguém em seus quarenta e dois anos. As pessoas não se abrem tão facilmente, não como quando tinham dezoito. A filha tem dezoito, ela tem muitos amigos, e muito mais amigas ainda. É fácil na idade dela. Mais que depois dos quarenta.<br/><br/>Ele cozinhou algo especial para aquela noite, noite de quarta-feira, a noite deles. Filé grelhado ao alho e óleo, com alcaparras. Batata frita para acompanhar, embora ele tivesse pensado em batata sauté. Desistiu da idéia. Não que ela não gostasse de batata sauté, adorava, mas o pai era especialmente chato e comia batatas apenas fritas. Ele amava a filha, mas não abriria mão das batatas fritas.<br/> <br/>A filha tinha algo a dizer ao pai. Algo importante, algo grande, algo que mudaria a vida dele. Talvez não tanto quanto o fato da mãe dela ter morrido quando ela tinha sete anos. Mas isso foi um acidente de percurso. O que a filha tinha que falar não era um acidente. Simplesmente era.<br/><br/>Ela estava visivelmente nervosa. Ele procurou disfarçar que não percebeu, mas em algumas coisas ela era exatamente igual à mãe dela. O jeito como perdia um pouco da fome quando ficava nervosa, o jeito de separar a comida no prato para parecer que está realmente comendo. É o prato favorito dela, ela deveria comer todo ele antes mesmo do pai acabar (o que é um grande feito, visto que o pai é bem maior que ela, vertical e horizontalmente), era óbvio que ele estava ciente do nervosismo da filha. Ela nem tinha tocado nas batatas! Mas ele não queria apressá-la, ela que levasse o tempo que quisesse. Enquanto isso eles comentavam sobre futebol, coisa que a filha entendia muito mais que o pai por sinal. Ela ia a vários jogos. Ele foi com ela algumas vezes, teve até medo dela depois de vê-la xingando. Parecia um homem de 25 anos que acabou de acabar com a namorada e brigar com seus pais descarregando toda raiva num jogo. Ele realmente teve medo. Até que finalmente, ela resolveu falar:<br/><br/>-Pai, eu preciso te falar uma coisa.<br/>-É eu sei.<br/>-Uma coisa importante... -Ele murmurou algo parecido com um “aham” antes de ela continuar.<br/>-Sabe o que eu vou falar?<br/>-Claro que não, acha que eu sou vidente ou algo assim?<br/>-É que você estava agindo como se soubesse.<br/>-Sei que tem algo a dizer, você é igual a sua mãe, mal tocou na comida.<br/><br/>Ela sorri meio acanhada. Gosta de ser comparada com a mãe, especialmente quanto à beleza, seu pai sempre diz que a sua mãe era a mais linda das mulheres na terra, mas que daí ela chegou e estragou tudo, e sua mãe passou a ser a segunda mais linda. Ela sempre achou aquilo tudo muito meigo. E era bom para o ego também. Ela continuou:<br/><br/>-Pai, o que eu tenho a dizer é... Acho melhor o senhor parar de comer para ouvir isso<br/>-Oh meu Deus, você está grávida! É por isso que não tocou no seu prato favorito! -Disse ele com espanto.<br/>-Não pai, eu não estou grávida. De fato, isso seria bem estranho visto que não durmo com nenhum dos garotos que saio, e a maioria deles é gay.<br/>-Oquei, então o que é?<br/>-Não vai parar de comer?-perguntou a filha<br/>-Eu nunca paro de comer, porque você acha que minha barriga é desse tamanho?<br/>-Oquei, oquei, vou falar. Pai... Eu sou lésbica.<br/><br/>Ele ficou em silêncio por um momento. O pedaço de carne em sua boca parou de ser mastigado por um instante.<br/><br/>-Pai? -Perguntou ela. Ele voltou a mastigar, e depois engoliu e respondeu.<br/>-Oquei, é só isso?<br/>-Como assim “só” isso?<br/>-Graças a Deus, pensei que fosse algo mais sério.<br/>-Pai, isso é sério.<br/>-Claro que é. Me passa a pimenta?<br/>-Você não vai falar nada?-pergunta ela intrigada.<br/>-Olha, filha -responde ele meio sem jeito, sorrindo- Eu não preciso dizer nada. Eu quero que você seja feliz e é isso o que mais importa. Se for ao lado de uma mulher, que seja, não me importo nem um pouco. De fato, até prefiro isso a ficar pensando “esse filho da puta esta comendo minha garotinha” cada vez que eu olhar para um cara com quem você sair.<br/>-Mas o senhor sempre disse que queria netos.<br/>-Bom, você ainda pode ter netos. Existe adoção, inseminação artificial, ou até pode chamar algum amigo gay seu para fazer o serviço e se mandar. Só não mude de time de novo ou sua parceira vai ficar uma fera.<br/>-Pai!<br/>-Que? Só estou dizendo, que se você quiser passar o resto da sua vida com uma mulher, ou mesmo só dar uns amassos, eu não tenho problema nenhum nisso. De fato, eu mesmo adoro dar uns amassos com uma mulher, porque minha filha não gostaria?<br/><br/> Fez-se silêncio por um instante. Ela deu um sorriso que ele fingiu que não viu. Ele pegou a pimenta ele mesmo e botou no resto de seu filé. Cortou um pedaço e botou na boca no exato instante que ela começou a falar.<br/><br/>-Pai? –Ele respondeu com um gesto indicando que ela continuasse. –Isso realmente significa muito pra mim, pai. Obrigada. -Disse ela sorrindo. Ele demorou pra responder. Os olhos vermelhos, mal conseguia conter as lágrimas.<br/>-Oquei, agora me alcance aquele vinho minha pequena. Eu acho que essa pimenta é meio forte para o seu velho pai.<br/> <br/> Quase não conseguiu terminar a frase, a felicidade de ver o sorriso nos lábios da filha, o sorriso vermelho igual ao da mãe, o sorriso mágico. Ele faria qualquer coisa no mundo por aquele sorriso.<br/>Sempre.<br/><br/> Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1151981913990436282006-07-03T21:42:00.000-03:002006-07-03T23:58:34.066-03:00Umbigo<div style="text-align: center;">onde<br />eu estava?<br />ah sim, chegando<br />nas coxas<br />e subindo<br />agarrá-las<br />lindas<br />encher<br />a mão<br />roçar<br />a barba<br />por fazer<br /><br />tu molhadinha<br /><br />a barba<br />roçando<br />molhada<br /><br />o cheiro<br />o gosto dela<br />a minha<br />língua<br />nela<br />na virilha<br />nela<br />de novo<br />tu deitada<br />eu subindo<br />umbigo<br /><br />doiseios<br />...<br /><br />os dois seios fartos<br />a língua subindo<br />um mamilo<br />uma mão<br />cheia<br />barriga<br />com barriga<br />beijo no pescoço<br />língua mais língua<br /><br />língua subindo<br /><br />mão<br />no pescoço<br />na nuca nos cabelos<br />bem forte<br />outra<br />na coxa<br />levanta<br />a perna<br />ele duro<br />na barriga<br />descendo<br />encosta nela<br />...<br /><br />cabelo<br />agarrado<br />beijo<br />dentes<br />no lábio<br />mordida<br />puxa a<br />cabeça<br />para trás<br />solta o lábio<br />morde o pescoço<br /><br />ele na borda<br />roçando<br />ela molhada<br />ele ameaça<br />ela contrai<br />entra<br />...<br /><br />agarra pelos<br />cabelos<br />durante<br /><br />um tapa<br />na coxa<br />agarra<br />a outra<br />também<br />forte<br />entra<br />rápido<br />sai rápido<br />várias<br />vezes<br />geme<br />é bom<br />quente<br />ela contrai<br />ele treme<br />ela solta<br />ele volta<br /> e vai<br />...<br /><br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1151356265676083352006-06-26T18:00:00.000-03:002006-06-26T18:11:05.713-03:00O sorriso de Júlia<div style="text-align: justify;">Hoje aconteceu uma coisa estranha no recreio do colégio. O sinal havia tocado a pouco e eu estava na fila do bar com a Júlia, para comprar um doce. Foi de lá que eu vi Jorge descer as escadas com dois meninos novos, Pedro Mendel e Arthur de Souza. Todas as meninas, inclusive Júlia, tinham achado esses dois bonitos e Jorge ia colado neles como um carrapato. Parecia que ele queria roubar um pouco do glamour deles. Eles usavam o uniforme do colégio, como todo mundo, mas Pedro Mendel e Arthur de Souza usavam as melhores chuteiras do colégio, e as mais caras também. E eles nem gostavam de futebol! Eles usavam gel no cabelo, e tinham celulares também. De última geração, provavelmente melhores que os computadores do colégio. E Jorge? Jorge não tinha nada.<br />Jorge usava um uniforme antigo que fora do seu irmão, e uma calça de moleton que sua mãe já havia costurado os joelhos umas cinquenta vezes. A mãe de Jorge é faxineira do colégio, e o pai dele é açogueiro. Eu sempre via ele com a mãe no recreio, ela trazia uma merendeira pra ele. Nunca mais vi os dois juntos depois que Pedro e Arthur chegaram, Jorge só anda com eles. E hoje ele descia as escadas com eles no recreio.<br />Dona Iolanda, mãe de Jorge, saiu do elevador no exato momento que o filho dela e seus novos amigos se dirigiam à fila. Ela parou ao lado da fila e abriu um sorriso para Jorge, estendendo-lhe a marendeira vermelha. Ele olhou nos olhos dela com raiva e desviou o olhar, ficando de costas para ela. Eu sabia que ela era mãe do Jorge, quase todo colégio sabia, menos aqueles dois metidos do Pedro Mendel e do Arthur de Souza. Eu vi os olhos da Dona Iolanda ficarem vermelhos. A mulher recolheu o braço com a merendeira e correu para o banheiro aos prantos. Pedro e Arthur, que elém de metidos eram tapados, não notaram a cena toda e achamram estranho uma faxineira correr chorando para o banheiro com uma merendeira vermelha.<br />Eu fiquei furioso com aquilo. Os dois metidos não tinham culpa de ser metidos, mas Jorge estava sendo um babaca. Eu ia sair do meu lugar na fila e dizer umas verdades para ele, ia dizer que ele era um idiota e que não podia fazer uma coisa daquelas com a mãe dele. Eu estava indo lá para dar um murro na cara de Jorge quando senti a mão de Júlia no meu ombro.<br />-E você Lucas, o que vai querer?- ela disse.<br />-Um sonho de doce de leite, por favor.- respondi.<br />Ela sorriu para mim e fomos lanchar de mãos dadas. Acho que ela gosta de mim.<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1149723586675764472006-06-07T20:30:00.000-03:002006-06-08T00:32:10.036-03:00O dia depois do dia da besta.<div style="text-align: justify;">Ele estava indo à casa de um amigo. Sentiu vontade de comer uma laranja, desceu do ônibus. Eu tenho trinta e cinco centavos no bolso, pensou, será que com esse dinheiro eu compro uma laranja? Não sei, pesa e vê, foi o que pensou em seguida. Ele atravessou a rua e caminhou alguns passos até o armazém. Laranjas, laranjas, havia várias, devia ser época. Suco, de umbigo, do céu, vários tipos. Escolheu a laranja do céu, de preço intermediário. Ele queria uma de suco, mas ele havia apalpado algumas, estavam com uma consistência não muito boa. Pegou a laranja e colocou na balança. O homem da balança não conseguia ver o preço do quilo de laranja, então ele disse ao homem. O homem colocou o preço, a máquina mostrou o preço, trinta e quatro centavos pela laranja. Ele pegou trinta e cinco centavos e pagou ao homem do caixa, o mesmo da balança, e disse: pode ficar com o troco.<br /><br />Subiu na casa do amigo, falou com ele, deu oi para a família. O amigo almoçou lasanha, ele comeu a laranja. Tinha gosto de laranja do céu, ele não gostou muito, preferia a laranja de suco. Uma pena elas não estarem boas, comentou. Ele fez o que tinha que fazer, o amigo botou calças e então saíram. Primeiro ao banco, depois foram ao cinema.<br /><br />Entraram na sala de cinema, portando quatro pães de queijo e dois refrigerantes. Ele disse, olhando para o carpete: Cara, que vontade de deitar e ronronar. O amigo riu, do ronronar principalmente. Sentaram, as luzes acesas, o filme sempre demora pra começar. Ele levantou com a sacola dos pães de queijo, que eles haviam acabado instantes antes. Desceu a sala de cinema, pois haviam sentando no meio dela, e era daquelas que da entrada se subia para chegar aos lugares. Colocou a sacola no lixo, então voltou. Antes de entrar na fila de poltronas onde estava seu amigo, deitou no chão. Mexeu-se como um gato, de barriga para cima, de um lado para o outro, com as patas no ar. Ronronou enquanto fazia isso. Um sujeito sentado na fileira de trás olhou para aquilo, então olhou para seu companheiro e disse: que bom que tu ta comigo, se eu contasse ninguém acreditaria. Claro que ele não ouviu isso enquanto ronronava, seu amigo lhe contou depois, do mesmo jeito que contou de um outro cara que olhou para ele enquanto ele estava ali no carpete com olhar incrédulo, e depois virou para frente e deu os ombros. Então ele levantou. Um rosto natural, a principio, que instantes depois se abriu em um sorriso bobo de felicidade. Ele sentou ao lado do amigo. Ambos riram um pouco, baixo. O filme começa.<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1147447396842038172006-05-12T12:12:00.000-03:002006-05-12T12:23:16.863-03:00Ato um: O homem (ou o frio)Tarde fria. O vento carrega as folhas pálidas para longe de suas mães e seca as lágrimas dos que choram. Um homem bem vestido caminha apressado...<br /><br />-<br /><br />Na rua há um homem. Muitos não o chamariam de homem. Ele usa poucas roupas. Trapos sujos e rasgados. Esse sente muito frio. Os braços se apertam ao redor do corpo em um abraço. Tentativas inúteis de se proteger do inverno. Alguém havia dito para o homem caminhar; se não morreria. Era uma tarde realmente fria. Ele balbuciava palavras incompreensíveis. Se sua mente já havia sido sã um dia, esta visivelmente não o era agora.<br /><br />Em seus delírios, chegou ao meio da rua. Quase fora atropelado por um ônibus que passava. Ele fez sinal para que o ônibus parasse, como qualquer pessoa em uma parada de ônibus faria. Talvez ele estivesse apenas repetindo o ato que ele mais via, afinal ele morava em paradas. A única diferença do seu sinal para o dos outros era que o homem o fazia no meio da rua, razoavelmente distante da parada de ônibus. Quase perdeu a vida na freada brusca que o motorista do veículo foi obrigado a dar. Não que o motorista se importasse com a vida daquele louco, atropelá-lo seria muito mais fácil para ele, já que volta e meia o pobre coitado se atravessava na rua e causava algum acidente. Nada grave, mas atrasava-o. E ele tinha de cumprir o itinerário.<br /><br />Será que esse louco se importa com vida? Perguntou um velho a si mesmo em voz baixa. Com certeza que não, respondeu-lhe o cobrador a se intrometer. Alguma coisa naquele velho dizia-lhe que o cobrador estava errado.<br /><br />-<br /><br />O homem bem vestido estava quase chegando ao seu destino. Roberto, esse era o nome do homem. Parada de ônibus, este era o destino. Ia se encontrar com dois amigos para tratar de negócios que tinham em conjunto. Velhos amigos, velhos pensadores. Estava com um pouco de tempo sobrando, sempre chegava antecipado nos lugares nunca gostou de atrasos. Além do que, morava perto dali e não havia nada mais interessante há fazer em casa. Estava quase chegando quando algo desviou sua atenção...<br /><br />Um homem, com aparência muito mais próxima de um animal do que de um ser humano, se escora em uma árvore. Barba e sobrancelhas grossas, pêlos. Olhar distante e braços magros. O homem-animal se abraça e encolhe as juntas. Cada um sobrevive com o que tem, pensou Roberto. Virou a cara como todos os outros transeuntes que por ali passaram antes dele, seguiu seu caminho e tentou desviar o pensamento disso o mais rápido possível. Então aconteceu.<br /><br />Roberto caiu. Não simplesmente caiu. Tomou um tombo do jeito mais bonito que alguém pode tomar. Tinha ele as duas mãos nos bolsos, os olhos voltados para o alto e a cara esparramada na areia. Não bastasse a humilhação do fato por si só, ainda ouvira alguma criança gargalhando, apontando e dizendo bem alto: Olha mamãe, que babaca! Os risos contidos de todos os outros que estavam na rua ele não ouvia, mas imaginava-os com perfeição. Até aquele indigente deveria ter saído do seu transe para soltar uma pequena gargalhada inaudível com as poucas forças que ele tinha e... Ele interrompeu seu pensamento quando sentiu uma mão segurando seu braço, ajudando-o a levantar. Ele olhou a mão magra, suja e áspera em seu casaco. Não era necessário ser um gênio para reconhecer o único dono possível para aquela mão. Saia daqui seu miserável, eu sei muito bem levantar sozinho!<br /><br />Somente após as palavras proferidas por ele atingiram os ouvidos do homem é que ele se deu conta do que havia dito. Olhou o pobre homem afastando-se lentamente, de costas. Tremia de frio. Usava uma calça, que de tão rasgada Roberto cogitava se não seria melhor usar bermudas. Algo que lembrava um sapato, sem dúvidas de um número inapropriado. Um simples moletom, velho e sujo. Um animal vestido. Nada mais. Ele era somente um animal vestido. E muito mal vestido.<br /><br />-<br /><br />Dois homens, amigos de Roberto, chegam no local determinado. Ao verem o terceiro ao longe com seu indistinguível sobretudo azul-oliva agachado perto de uma árvore resolvem ir ao seu encontro. Mal sabem eles o que estão para ver...<br /><br />-<br /><br />Roberto vê o pobre animal sentar-se novamente em seu lugar. Aquele era o seu lugar, o de animal. Roberto pensou o quanto isso estava errado. Aquele pobre ser não sobreviveria até a próxima estação sem alguma ajuda. Que alguém o ajude oras! Mas quem? Ele mesmo havia acabado de rechaçar o coitado. Tudo porque fora burro de cair, e não queria ajuda de nenhum mendigo sujo para levantar. Que ignorância, pensou ele. Pôs-se ao encontro do indigente.<br /><br />O sujeito fraco e faminto não prestou atenção à aproximação de Roberto. Continuava estático, exceto pelas tremidas do frio vez por outra. O olhar, perdido em alguma coisa que os sãos provavelmente não saberiam reconhecer, exatamente do mesmo jeito que estava quando Roberto o olhara pela primeira vez. Tão perdido em sua própria realidade que quase se assustou quando viu Roberto em pé na sua frente. Roberto falou.<br /><br />-<br /><br />Hei, você. Olha, desculpa pelo que aconteceu. Eu fiquei nervoso com o riso das pessoas e... Você ao menos está me ouvindo?<br /><br />O mendigo não esboçava qualquer reação, a não ser olhar para Roberto com os mesmo olhos perdidos.<br /><br />Bom, eu queria ajudar, você esta precisando de alguma coisa?<br /><br />Que pergunta idiota, pensou Roberto. É óbvio que ele está precisando de alguma coisa... Tudo! Roberto lembrou que não trazia consigo muito dinheiro, e que ia se encontrar com os colegas logo em seguida. O homem nada lhe respondia. Roberto olhou com pena para aqueles olhos perdidos. Pena que aqueles olhos nunca pediram, nem mesmo quiseram. Após alguns instantes, ele viu o dono dos olhos tremer de frio.<br /><br />É isso, disse ele para si mesmo. Agachou-se sobre os calcanhares e começou a tirar o sobretudo azul-oliva. Era seu maior legado, ele adorava aquele sobretudo. Cobriu o mendigo com seu casaco, e este se encolheu dentro do casaco aconchegante. Roberto era visivelmente maior que o mendigo subnutrido, sorte do mendigo, que ganhava um cobertor com lugar para os braços. Roberto ainda falou: No bolso de dentro, há vinte reais. Você vai precisar mais do que eu, faça bom proveito. O pobre homem não acreditava muito, mas tinha acontecido. Ele estava um pouco mais aconchegante. Pelo menos essa noite, devia dormir bem...<br /><br />Roberto foi se afastando apressado, sentindo de leve o frio que fazia fora do seu, agora do mendigo, casaco. Olhava o chão, sentia-se satisfeito. Era o melhor homem do mundo, na sua distorcida visão. Foi quando foi interceptado no meio do caminho pelos amigos.<br /><br />-<br /><br />Os dois amigos, incrédulos, perguntaram para ele quase que ao mesmo tempo?<br /><br />-Você deu seu sobretudo para aquele mendigo?!<br />-Sim, sim. Vamos indo.<br />-Mas era seu casaco preferido! E era lindo também...<br />-É, tu vê só.<br />-Podia ter dado pra mim então.<br />-O mendigo vai fazer mais proveito do casaco do que você.<br />-Mas o ele era extremamente caro!<br />-Escuta aqui, o dinheiro é seu? O sobretudo é de algum de vocês dois? Não. O dinheiro é meu, o casaco é meu e eu faço deles o que eu quiser oquei? Estamos entendidos?<br />-Sim, mas...<br />-Ótimo, e não se fala mais nisso...<br /><br />Os dois amigos estavam abismados com o comportamento de Roberto. Justo ele que sempre fora tão materialista. Ele nunca havia feito caridade, nem mesmo comprado uma bala de goma de um garotinho em uma parada de ônibus. Aquilo era para eles, no mínimo, estranho...<br />Roberto não poderia se sentir melhor. Sentia-se a mais louvável das criaturas. O próprio filho de Deus. E como se não bastasse ter feito esse ato de bondade incomensurável, pensava ele, ainda havia aparecido como nobre e generoso aos seus amigos. Dera-lhes uma lição de moral. Como era bondoso. Era sem dúvida um excelente homem esse Roberto.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1147447505377038522006-05-12T12:09:00.000-03:002006-06-07T23:51:29.516-03:00Ato dois: AnimaisNão demorou muito mais a escurecer. Inverno. Ao cair da noite, o velho homem-animal deliciou-se ao comer um prato feito, ali perto. Pediu para levar, tudo, e pôde comer aos poucos longe do bar, onde não era bem quisto. Três bares enxotaram-no antes, como animal. Esse tinha um bom dono até, deixou ele comer se pagasse antes e levasse as cosias para comer bem longe dali. Como animal.<br /><br />Também como animal ele comeu, sem talheres, muito aos poucos. Também pudera, com o estômago do tamanho de uma ervilha, não poderia empanturrar-se. Nem queria, sabia ele que se seu estômago aumentasse de tamanho a fome também aumentaria, e ele devi estar preparado para os dias depois que o dinheiro do homem que comeu areia lhe dera acabar. Ele pode ter pensado em tudo isso, ou pode ter apenas seguido o instinto e guardado para mais tarde. Animal, apesar de homem.<br />-<br /><br />Como todos sabem, existe na natureza uma cadeia. Alguém é predador de alguém, sempre. Conforme a noite ia e o frio chegava, o habitat do homem-animal era preenchido por tipos estranhos de predadores. Eles eram chamados: Jovens. Digo estranho porque eles têm caças variáveis, conforme a situação.<br /><br />Os jovens muitas vezes são predadores de outros jovens. Eles caçam uns aos outros, de maneira que só os fortes conseguem perpetuar a espécie. Ou mais burros. Mas mais freqüentemente eles são predadores deles próprios. Nesse caso, o fim de um jovem acontece por ele acabar com sua vida aos poucos, ou rapidamente, através de uma de um processo autodestrutivo. Mas, além disso, esses predadores estranhos às vezes escolhem outras presas. Esse era um desses dias.<br /><br />-<br /><br />Um grupo de jovens caminha pela rua onde se encontra o homem-animal e seu casaco azul-oliva. Eles percebem a presa depois que está já os havia percebido, enquanto cantarolavam hinos de louvor ao vinho. Arisco, o vestido de azul-oliva está quieto em sua parede. Observa com o canto dos olhos jovens que estão vestidos para a caça, todos de preto. Ao notarem ele com um bom sobretudo, começam a aproximação. O que parece ser o líder do bando vocifera: Bem o que temos aqui, bonito casaco cara. O desumano há muito sem receber um elogio, surpreende-se, e acena a cabeça levemente quase sorrindo. Posso ver? Arisco, encolhe-se o animal. Um olhar maligno apossasse do líder.<br /><br />Num piscar o bando, seis ao todo, está desprovendo o animal de seu casaco e deixando-o exposto. Com o sobretudo vestido, um deles olha para as embalagens de alumínio, duas, no chão perto animal. Isso é sua comida? Chutes espalham pedaços de carne, salada e arroz pela calçada. Uma lágrima escorre pela pele grossa do animal, que tenta impedir e é rechaçado a pancadas, como quando lhe tiraram o azul-oliva. E então os predadores sentem o prazer. Batem mais e mais. Param apenas quando o animal, sem forças, sangra na calçada a beira de um colapso.<br /><br />-<br /><br />Os pássaros cantavam quando o sol baixo acordou o quase morto. Sem êxito, tentou comer um pouco do que havia sobrado pelo chão, arrastando-se e tentando enfiar comida a comida na boca. Quase nada comeu. A dor não lhe permitia mastigar direito, as baratas e os ratos, bem como os cachorros de rua e outros animais carniceiros haviam levado quase tudo do que fora espalhado. E ele ainda sangrava...Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1146626612758203982006-05-03T00:25:00.000-03:002006-05-03T00:26:53.016-03:00O homem delaEntrou como entra um ladrão pela porta dos fundos. Se a mulher soubesse que tinha passado a noite fora bebendo lhe arrancaria... É, aquilo. Ingenuidade achar que ela não acordaria. Ingenuidade pura. Era ingênuo. Ela acordou.<br />O que você fazia chegando em casa essa hora, ela indagou. Ele fingiu-se rápido de sonâmbulo, enquanto pensava em algo para dizer, que não fosse a verdade, somente a verdade, nada além da verdade. Ela o sacudiu. AAAH, gritou e pulou, dando nela um grande susto. Ele cai no chão e põe a mão na cabeça. Você não se sabe que não se acorda um sonâmbulo!<br />Ela sabia, mas sabia também que ele não era sonâmbulo. Havia seis meses que estavam juntos e ele nunca mencionou nada sobre ter tido um caso sequer de sonambulismo na vida inteira, redonda, achatada nos pólos. E ela nunca presenciara um.<br />Você anda bebendo de novo! Ele disse que não, que tinha mastigado dessa vez. Não sabia ao certo porque, mas sempre bancava o engraçadinho, mesmo em situações críticas. Ela lhe atirou um copo na cabeça, o copo que ela tinha bebido vodka com guaraná esperando ele chegar, até as quatro e meia. Doeu.<br />É a quarta vez essa semana que você chega bêbado em casa. Mas hoje é segunda, ele respondeu, e eu estou sóbrio. Ela ficou mais enfurecida. Ele sempre fazia piadas infames. Elas em geral não eram boas, mas ele continuava, mesmo falando para atirarem em sua testa depois de ninguém rir. Ele não falou desta vez, ela já tinha feito isso.<br />Começou a lhe escorrer sangue pela face. Nada de muito grave, mas foi o suficiente para deixá-la em pânico. A meu Deus! Você esta sangrando! E foi tudo culpa minha! Que tem Deus a ver com isso tudo, pensou ele? Achou melhor não fazer piada. Estou sentindo uma tontura, disse. Ele caiu. Ela caiu. Ela juntou-lhe o corpo e levou-o para a cama, cobriu-lhe os pés, buscou algodão, gaze, esparadrapo, álcool, água oxigenada, mertiolato e mais umas substâncias não identificáveis. Ela começou a limpar e ele perguntou, abrindo os olhos, para que tudo isso? Nosso filho caiu da bicicleta? Nós não temos um desses, seu bobo, respondeu ela, rindo do imbecil que amava. Não? Já pensou em fazer um?<br />Ele a agarrou e jogou para o outro lado da cama de meio-casal, porque a de casal era cara e além disso não cabia nas suas dependências. Pare seu idiota, deixa eu cuidar de você, você vai sujar todo o lençol de sangue! Ela esperneou um pouco, ele a segurou firme. Eu limpo depois, além disso, você também sujou na sua primeira vez, lembra? E foi bem mais que algumas gotas...<br />Ela sabia que ele não limparia nada, que ela teria que lavar tudo, e ainda estar de pé às oito horas, como secretária de cabeleireiro. Não se importou nem um pouco com isso. Não se importava com nada quando com ele, daquele jeito galante, e palhaço, e extrovertido, e abobado. Ele era dela, só dela. Ele mordeu-lhe os lábios, deu-lhe um beijo em sua maçã e disse-lhe que a amava. Pingou um pouco de sangue dele nela, no canto do lábio esquerdo. Ela disse que ele não a amava, que só dizia aquilo porque era cômodo ter alguém para transar quando chegava em casa, cansado; alguém que cozinhasse para ele, lavasse para ele, deixa-se a casa em ordem e... Ele a interrompeu com um longo beijo.<br />Então se lambuzaram em prazer... Depois disso ele começou a roncar. Bêbado inútil, ela resmungou com os olhos vidrados de paixão e com um sorriso maravilhoso estampado em sua cara. Fez o café, deixou em cima da mesa, colocou o despertador para a hora que o seu 'Don Juan' acordava para ir para a repartição, perto das dez da manhã. Deveria chegar as 11 no trabalho, que era perto. Ele se arrumaria rápido, ela pensou sorrindo. O café tinha bolachas, leite, ovos mexidos dentro de um pãozinho, e outro pãozinho com margarina e mel. Coberto de mel. Ele gostava. Ela estava atrasada, ia saindo as pressas, lembrando que deveria lavar o lençol a noite. Antes de sair deu uma última olhada em seu alcoólatra preferido. Um homem de barba rala na cara, deitado de bunda para lua. Roncava pouco agora, já havia parado de babar, mas o travesseiro ainda estava úmido. Deu um último suspiro, foi saindo, não sem antes dizer suas últimas palavras.<br /><br />Bobo.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com17tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1145003920050017172006-04-14T05:31:00.000-03:002006-04-15T02:32:41.616-03:00O segurança.<div style="text-align: justify;">Certa vez eu estava dirigindo meu velho chevete verde enquanto o céu clareava, quando percebi um homem só em uma parada de ônibus. Estava chovendo, e eu estava voltando de uma festa, meio alcoolizado e sozinho. Quis companhia.<br />Parei e abri a porta do passageiro.<br />-Vai pra onde cara?- ele me perguntou.<br />-Que diferença faz? Essa estrada velha só tem uma direção mesmo.<br />Ele entrou. Era meio gordo, tinha um estilo fracassado. Pela cara. Tinha uma cara de fracassado. Você sabe, ou pensa que sabe, quando uma pessoa é fracassada pela cara dela.<br />-Então, qual é o seu nome?-perguntei.<br />-Marcos.<br />-E o que você faz a essa hora, com essa chuva danada, numa parada de ônibus?<br />-Eu estava voltando pra casa.<br />-Que coincidência feliz, eu também.-eu disse sem ânimo.<br />-Eu sou segurança noturno daquela sede ali atrás...-ele disse.<br />É claro que era. Ele estava usando um uniforme de segurança. Eu poderia ser um marciano e ainda assim ia perceber isto, gordo idiota.<br />-Muito trabalho?<br />-Não muito.<br />-Foi bom hoje?<br />-Um tédio. Esses aí não sabem fazer festa.<br />Estranhei o comentário, quase me interessei. Mas dei continuidade à conversa.<br />-Não sabem é?<br />-Oh, não.Tem uns que destroem várias coisas. Até quebram uns carros. Mas esses aí não nos deram nenhum trabalho.<br />-E não é bom não ter nenhum trabalho?<br />-É tedioso.<br />-Hm...<br />O pára-brisa do carro fazia um barulho estranho. Estávamos a uns 5 minutos ali já. Saímos da estrada de um caminho só, começávamos a nos aproximar mais da cidade. Ele não chiou um instante. Eu sabia que se eu começasse a ir por um caminho diferente do dele ele pediria pra parar.<br />-Sabe...- ele começou –Quase sempre uns casais saem do salão de festas...<br />-É mesmo?- perguntei sem interesse.<br />-É. E às vezes eles vão pra um matinho. Pra foder.<br />Ele deu umas pequenas risadas, como que para ele. Interiores.<br />-O que é engraçado?-perguntei.<br />-Agente sempre vê quando eles fazem.<br />-Quando fodem?<br />-É.<br />-E o que vocês fazem?<br />-Varia.<br />Eu fiquei, por alguns segundos, pensando no que aquele desgraçado ia me responder. Pervertido de merda, pensei, eu tou dando carona prum maldito punheteiro de merda que fica olhando os outros foderem. Mas ele continuou.<br />-Às vezes eu interfiro. Outras eu só olho e deixo-os numa boa. Às vezes eu berro de longe alguma coisa, logo que querem começar. Eles sempre se assustam.<br />-Hm...<br />-Teve uma vez, acho que foi a melhor de todas, que eu esperei até eles estarem bem no finzinho. Eu esperei, e esperei. E o desgraçado não gozava nunca. Ele cobria a boca dela com a mão, pra abafar os gemidos. Qualquer um poderia ouvir o “som de palmas”, mas eles nunca se tocam. Acham que um simples gemido vai denunciá-los, mas eles se denunciam quando saem do salão, depois de terem se esfregado por um bom tempo lá dentro. As pessoas cheiram a sexo.<br />-E então você esperou.-estava intrigado sobre o que ele tinha feito dessa vez. Ele continuou.<br />-Eu esperei. Eu vi, na cara dele. Vi quando os movimentos estavam começando a diminuir. Ele estava quase gozando. Eu estava a uns poucos metros dali.<br />-E então, Marcos, o que você fez?<br />-Eu gritei, bem alto: QUE QUE CÊS PENSAM QUE TÃO FAZENDO SEUS FILHOS DA PUTA! ISSO AQUI É PROPRIEDADE PARTICULAR E NÃO PUTEIRO O CARALHO! Tu tinha que ter visto eles. Eles pularam num salto, vestiram meio que de qualquer jeito e saíram correndo. A guria tava só com o vestido levantado, deixou a calcinha ali mesmo e se mandou. O cara tava com as calças arriadas. Tropeçou, caiu de cara, juntou as calças e correu ainda com o pau de fora. Foi hilário.<br />Eu esbocei um sorriso. Ele não era mal sujeito apesar de tudo. Só estava se divertindo um pouco. Logo mais disse:<br />-Eu fico aqui, cara. Eu não sei o seu nome.<br />-Nem vai saber, quando acordar amigo. Que diferença faz?<br />Ele me deu um aceno e um obrigado, de fora do carro. Eu segui por ais uns dez minutos até chegar em casa. Tirei os sapados, deitei, e ri.<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1144450551248072062006-04-07T19:54:00.000-03:002006-04-07T19:55:51.260-03:00As crianças estavam na sala...<div style="text-align: justify;">Ele entrou batendo a porta, furioso. Chutou o gato que estava no caminho. Malditos gatos no caminho, só servem para serem chutados quando as coisas não vão bem. Caminhou rápido até diante dela. Porra, primeiro Gustavo e agora isso! O que você tem Jaqueline? Ele estava realmente brabo.<br /><br />Jaqueline estava imóvel no sofá, deixou cair o controle remoto da mão ao ver o rosto dele. O noticiário informa mais três mortes no dia ontem. As pessoas estão ficando loucas, é isso que eu digo, dizia um engomadinho sendo entrevistado. Um jovem viciado vendeu a mãe. A mãe! E para um desgraçado sodomita com gostos estranhos. Ele começou a gritar.<br /><br />Porra! Ele era meu amigo. Meu melhor amigo! O grande homem de camisa regata branca suada era como um armário. Um brutamontes, sim. Daqueles do tipo peão. Como você pôde? Por quê? O que eu fiz de errado? Ele simplesmente não conseguia compreender. Foi quando ela respondeu. Você nunca foi bom o bastante.<br /><br />O inferno que não foi. Fora o melhor marido que ela poderia arranjar. Trabalhador, honesto, atencioso. Exceto nos dias de jogo. Mas fora melhor do que qualquer outro crápula daquela cidade seria para ela. Comera umas putas algumas vezes, mas nada como aquilo. E foi durante as crises dela. Ela estava louca, descontrolada. Sempre tivera um problema com a bebida. Ele tinha que deitar com alguém enquanto pagava a clínica para a vadia da sua mulher se desintoxicar.<br /><br />A raiva tomou conta dele por todo. Ele viu a faca em cima da mesa da cozinha. A de cortar carne, sempre a de cortar carne. Foi pegar, calmamente. Segurar o cabo lhe deu uma ereção. Normalmente se sentiria um porco nojento, mas não naquele ali. Uma sensação de potência, uma vontade que não podia ser suprimida.<br /><br />As crianças estavam na sala...<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1143078664127566482006-03-22T22:49:00.000-03:002006-03-22T22:51:04.140-03:00Bochechas.Bochechas.<br /><br />-Sério, não me leve a mal, mas eu acho a sua amiga extremamente arrogante.<br />-A Fulana?<br />-É, essa.<br />-Mas por quê?<br />-Sei lá, o jeito dela. Não consigo ver ela de outro modo. Sempre me parece arrogante.<br />-Mas ela é tão querida.<br />-Eu sei que é. Bem simpática...<br />-Mas então?<br />-Acontece que ela parece falsa.<br />-E arrogante?<br />-É.<br />-Mas de que jeito?<br />-Sempre. Quando sorri especialmente.<br />-Quando sorri? Perdeste o juízo!<br />-Não, é sério! Quando ela sorri levantam-se as bochechas.<br />-Mas o que é que têm as bochechas!?<br />-As bochechas dela são bonitas, vermelhinhas até.<br />-Então?<br />-Não sei, não me caem bem. São bochechas esnobes, falsas, hipócritas.<br />-Bochechas arrogantes?<br />-Bochechas arrogantes.<br />-Oquei. Me passa a margarina.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1141886219324540192006-03-09T03:33:00.000-03:002006-03-10T08:31:30.570-03:00Arnaldo no mercado.<span style="font-family:arial;">Certa feita encontrei Arnaldo no mercado. Ele estava na fila do caixa, grande Arnaldo. Meio acabrunhado no dia, não saberia dizer porque. Ele usava uma roupa bem apessoada até, o que não era de seu feitio. Nada de chique, nem mesmo um terninho, mas bem vestido. Sempre que eu o via ele estava com uns calções rasgados e camisas velhas, a não ser que viesse do trabalho. E não me lembro de uma vez que estivesse sem a mulher, Lúcia, do lado. Exceto essa, não havia ninguém ao lado. Havia uma mulher na frente dele, mas obviamente estava na fila para o caixa assim como as outras três pessoas na frente dela. Ele trazia um cesto com algumas frutas, e um pouco de chantili. Eu ainda não tinha feito as compras, e parei pra jogar papo pro ar.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Então? Voltando do trabalhando?- perguntei</span><br /><span style="font-family:arial;">-é...- falou baixinho, como se estivesse com vergonha.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Que há homem? Vai se deixar abater por eu te pegar com os melões nas mãos agora?</span><br /><span style="font-family:arial;">Ele esboçou um sorriso tímido. Estranho. Na praia ele sempre fora tão entusiasta, tão falador. Conheci-o na praia, num botequim de praia. A mulher dele comia um milho verde e usava uma regata. Eu estava sozinho jogando sinuca. Ele deixou a mulher com uma amiga e veio jogar comigo. Ele tem uma casa naquela praia, perto da de meu padrasto, onde eu passava um tempo no verão. Ele estava realmente estranho, resolvi continuar eu mesmo a conversa.</span><br /><span style="font-family:arial;">-E a Lúcia? Nunca vi vocês dois separados?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Bem... Ela ta na praia...</span><br /><span style="font-family:arial;">-E com ela na praia você faz isso. Bem é compreensível...</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não! Olha Roberto, você não ta entendendo. Eu vou logo pra praia, no domingo!- Ele disse afobado.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Trabalhando duro no verão hein?</span><br /><span style="font-family:arial;">-hehe, é.</span><br /><span style="font-family:arial;">Agora um senhor de idade terminava de passar suas compras. Depois disso havia a mulher e ele. Ele estava realmente inconfortável. Talvez não estivesse acostumado a ser visto fazendo compras, achasse isto uma tarefa feminina. Eu nunca fui bom em fazer compras também. Ou talvez ficasse inseguro com sua mulher na praia, solta. Podia ser simplesmente falta dela, quem sabe? Eu não pretendia ficar muito mais ali. Eu precisava de uma cerveja gelada, e mais algumas para o estoque de casa.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Vou indo então Arnaldo. Acho que vou dar uma passada na praia pela sexta-feira. De repente encontro Lúcia...</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ta...Tchau.</span><br /><span style="font-family:arial;">Ele falou ainda meio gaguejando. Pobre homem. Ainda virei para trás e apontei pra ele, dando uma piscadela. Mal arranquei-lhe um sorriso tímido, virei no corredor sete. Travesseiros.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">-Alô, Lúcia?</span><br /><span style="font-family:arial;">-É ela, quem é?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Sou eu, Arnaldo.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Oi amor, que bom que ligaste! Muito chato o trabalho de organizar todas as coisas do ano da firma?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Você não sabe como! Mas eu tenho que falar rápido, olha só.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Tou vendo.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não seja sonsa Lúcia! Você conhece o Roberto não é?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não seja você. Que pergunta! É claro que conheço!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Pois bem, você sabe como ele é brincalhão não é?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não lembro dele fazendo muitas brincadeiras...</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ora, vamos! Quem é que ele vê com mais freqüência, eu ou você?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Você.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Então. Ele sempre foi brincalhão, mas comigo. Sabe como é, coisas machistas e tal.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Sei...</span><br /><span style="font-family:arial;">-Bom, é o seguinte: A mulher que estava comigo no supermercado era minha secretária viu?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Que?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Faltou luz no escritório, nós saímos para comprar algo gelado e umas frutas, para continuar na atualização de arquivos, sabe?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Porra Arnaldo, você andou bebendo? Que tem isso a ver com o fato de Roberto ser brincalhão?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Pois bem, acontece que ele me encontrou no mercado com ela. E pelo que conheço ele, vai falar poucas e boas e encher-te a cabeça de minhocas!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ora Arnaldo, e você me liga pra me precaver de um possível brincadeira?</span><br /><span style="font-family:arial;">-É que... Você não conhece o Roberto!</span><br /><span style="font-family:arial;">-A conheço. Ele é aquele seu amigo de quem falávamos agora pouco, têm uma casa perto daqui.</span><br /><span style="font-family:arial;">-O padrasto dele tem.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Tanto faz.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Olha Lúcia, tenho que desligar.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Espera ai mocinho, me explica essa...</span><br /><span style="font-family:arial;">-Te amo, tchau.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Era sexta-feira. Roberto chegara na praia pouco antes das cinco, por volta das oito Lúcia batera </span><span style=";font-family:arial;font-size:100%;" >à sua porta</span><span style=";font-family:arial;font-size:100%;" >.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Olá Roberto.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Lúcia, que surpresa! Esperava te ver só amanhã.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não pode esperar, não agüento mais!</span><br /><span style="font-family:arial;">Lúcia foi entrando esbaforida pela casa, sentou-se logo no sofá.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Desculpe Lúcia, mas não vou trair meu amigo só para satisfazer sua volúpia. – Disse Roberto.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ah é? Quer dizer que não vai me contar da mulher que estava com ele? – retrucou Lúcia, ríspida.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Quero dizer que não vou transar com você.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Quem falou que EU quero transar com você, seu egocêntrico?</span><br /><span style="font-family:arial;">Lúcia fez uma breve pausa enquanto Roberto fechava a porta atrás de si. Ele se dirigiu à uma poltrona.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Conta logo da mulher! - Prosseguiu agitada.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Mas que mulher? - Disse Roberto, sentando-se.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ora, vamos! Como ela era? Mais nova que eu? Vinte anos? – Os cabelos dela caiam sobre a cara soltos, emaranhados.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Sinceramente Lúcia, não sei do que você está falando.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Diga logo de uma vez! Você não estava louco para me falar isso?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Como?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não ué.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Por que você me ligou então, marcando um encontro para amanhã?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Para falar sobre Arnaldo.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Sim, sobre a traição.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Mas que traição mulher!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Sobre o que então?</span><br /><span style="font-family:arial;">Roberto respirou fundo. Massageou as têmporas, sentia dor de cabeça pelos gritos da mulher histérica.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Eu queria dizer-lhe que ele me pareceu muito aflito quando o encontrei no mercado.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Aflito?</span><br /><span style="font-family:arial;">-É. Ele parecia com medo de algo.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Mas medo de que?</span><br /><span style="font-family:arial;">-De que você o traísse, talvez. Você aqui na praia, ele lá.</span><br /><span style="font-family:arial;">Roberto realmente pensava que Arnaldo tinha medo é de uma mulher feito Lúcia, de tamanha paranóia. Ela nunca aparentara ser como agora. Talvez os dois parecessem normais juntos e só separados mostrassem como levam a vida de cônjuge. Mas Roberto não falaria isto àquela mulher, ele próprio já estava com medo dela.</span><br /><span style="font-family:arial;">-E o que mais? – perguntou ela.</span><br /><span style="font-family:arial;">-E o que mais? Bom, ele levava uma cesta com frutas. E chantili eu acho. Ele devia estar comendo porcarias sem você para cozinhar... Exceto pelas frutas.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Chantili? Aquele desgraçado comprou chantili?! A anos ele não compra chantili!! – A mulher enfurecia-se cada vez mais. Respirou. Acalmou-se um pouco.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ele me ligou quarta-feira. – Lúcia continuou, enfim.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Que bom! Vocês se comunicam! – O olhar frio dela fez calar Roberto no mesmo momento.</span><br /><span style="font-family:arial;">-A mulher com ele... Parecia uma secretária?</span><br /><span style="font-family:arial;">A cara mais sincera de perplexidade tomou conta da face de Roberto.</span><br /><span style="font-family:arial;">-Mas que mulher?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Você não viu mulher nenhuma com ele?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Ele me disse que você o vira junto com uma mulher, e tratou de se explicar, dizendo que ela... Canalha!</span><br /><span style="font-family:arial;">-Eu?</span><br /><span style="font-family:arial;">-Não você, imbecil!</span><br /><span style="font-family:arial;">E saiu. </span>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1140379139909504182006-02-19T16:56:00.000-03:002006-02-19T16:58:59.923-03:00O divorcio - Parte 3 de 3Ele saiu do banho, estava quase cheiroso. Enrolou-se na toalha e fez a barba. Ela continuava a procurar a papelada. Eles formavam uma bela dupla, ela admitia. Ele se estragava e ela o consertava. Ou quase. Nunca soube como as outras mulheres dele conseguiram ser mulheres dele sem serem enfermeiras. Ele saiu do banheiro e encontrou seu copo cheio.<br />-Clarissa, eu te amo.<br />-Escuta, Rô, você não tem mesmo idéia de onde botou os papéis?<br />Ele deu com os ombros.<br />-Roberto, seu crápula.<br />-Sério, não sei mesmo.<br />-Ta, senta aí e vamos fazer um curativo pra isso.<br />Ele sentou. Ela era rápida, dois minutos e estava tudo pronto. Ele ficou de pé, de toalha, chinelas e o copo na mão. Chamou-a para perto e enfiou-lhe a língua na boca. Ela não negou o beijo, mas também não se afastou. Ele agarrou aquela bunda como só ele fazia e levantou a saia dela. Foi então que ela se entregou de todo. Ela tirou a blusa enquanto a ereção dele se encarregava da toalha debilmente enrolada. Foram pra cama e só saíram de lá duas horas depois.<br />Claro que não foderam o tempo todo, ele não era nenhum professor de sexo tântrico. Ela levantou-se e olhou para o chão. Estava ali a papelada. Ele realmente havia assinado. O fato de estar tudo manchado de vinho era só um detalhe, com certeza não proposital. Ele sentou-se na cama e olhou para a bunda dela. Como amava aquela bunda.<br />-Olhe Roberto, achei os papéis.- ela mostrava o documento por cima do ombro.<br />-Tudo fica mais fácil depois de uma boa foda, não?- ele sorriu.<br />-Não seja besta.<br />-Que foi?<br />-Está tudo manchado de vinho, não está vendo?<br />-Desculpe, estava olhando para sua bunda.<br />Ela levantou e se virou. Ele também amava os seios, mas não se comparavam a bunda.<br />-O que você vai fazer?- perguntou ele.<br />-Eu vou ter plantão hoje, vou começar as dez. Amanhã eu ligo para o advogado e peço uma nova cópia.<br />-Não quer ligar daqui?<br />-Está com pressa?<br />-Você sabe que não.<br />-Seu telefone não esta funcionando, eu testei quando você estava no banho.<br />-Hum.<br />-Eu passo aqui para te entregar qualquer dia. Você vai estar em casa?<br />-Você sabe que eu não saio.<br />-É.<br />Ela se vestiu e ajeitou o cabelo. Curto, liso. Não deu muito trabalho. Ele levou-a até a porta como estava.<br />-Eu te amo Clarissa.<br />-Eu te vejo qualquer dia.<br />Ela sorriu e se foi. E rebolava. Caminhou em direção à lata velha, onde tinha seu uniforme de enfermeira. Ela podia se trocar no transito. Sempre fazia isso. Achava engraçados os homens babando e perdendo a hora de passar o sinal.<br />Roberto ficou olhando fixamente ela partir. Como amava aquela bunda.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1140135107062682742006-02-16T21:57:00.000-02:002006-02-16T22:11:47.320-02:00O divorcio - Parte 2 de 3Ela remexia os livros soltos por cima da mesa. Ele girava o gelo no copo com o dedo, e olhava a bunda dela. Serviu outro copo. Ela encontrou lia as capas dos livros com mais atenção.<br />-Nossa Roberto, você realmente está lendo isso?<br />-É, quem sabe.<br />-E esse aqui? Você ainda não acabou? É um clássico!<br />-É bonzinho. Meio parado.<br />-Como assim “bonzinho”? Ele é fantástico! É um clássico!<br />-Foda-se que é um clássico.<br />Ela deixou de lado os livros de lado e viu um pouco de sangue no chão.<br />-Roberto, o que é isso?<br />-Sangue.<br />Ela fez uma cara de quem diz “você sabe que não foi isso que eu quis dizer seu idiota” ou algo parecido. Ele respondeu:<br />-Oquei, e está coagulado. Feliz?<br />-O que aconteceu?<br />-Eu virei adolescente rebelde sem calça por um dia e cortei os pulsos.<br />-Sério?<br />-Claro que não! Pelo amor de Sócrates, você ainda leva sério essas bobagens!<br />-E você ainda fala desse Sócrates como se fosse Deus.<br />-Ele era muito mais filho de Deus do que aquele cabeludo metido a bom cristão.<br />-Certo, agora o que aconteceu?<br />-Bom, uma garrafa quebrou uns tempos atrás, e tinha um caco grande ai. E eu nunca uso sapatos.<br />-Certo, deixe-me ver o seu pé.<br />-Não foi nada.<br />-Dá cá a pata!<br />Ela empurrou-o e ele caiu sentado na cadeira que estava atrás. A bebida do copo sacudiu, mas não chegou a cair, já não estava mais cheio o suficiente.<br />-Uh, isso aqui está feio.<br />-Eu já disse que não foi nada.<br />-Tem um caco de vidro quebrado ai dentro. A quanto tempo você disse que foi isso?<br />-Eu não disse.<br />-...<br />-Três dias.<br />-Três dias!<br />-É, mas não ta doendo.<br />-Claro, você está sempre anestesiado.<br />-Por que você ainda faz isso?<br />-É meu dever como enfermeira querido. Agora, vai doer um pouco.<br />Ela enfiou a pinça no corte inflamado. Saiu um pouco de pus e Roberto fez uma cara de quem não gostou. Ela alcançou o vidro, era grande. Triangular. Começou a puxar, Roberto gritou. Ela puxou mais, ele agarrou a garrafa de vodka de cima da mesa e bebeu no gargalo enquanto apertava com a outra mão a cadeira. O copo caíra no chão, inteiro.<br />Quando acabou ela tirou a garrafa da mão dele e usou para desinfetar, com um pouco de algodão que ela trazia na bolsa para retirar o esmalte. Ela falou.<br />-Pronto, agora vá tomar um banho, depois eu limpo isso de novo.<br />Ele entrou no chuveiro, de camisa e tudo. O sangue escorreu com água para o ralo. Ele lavou-se com sabão. Ela Juntou os cacos todos e limpou o sangue. Encheu o copo dele e deixou perto da saída do banheiro. Arrumou as coisas que estavam na cama e trocou os lençóis. Arrumou os livros todos nas prateleiras. Em ordem alfabética. Obsessiva, compulsiva.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1140037807011474122006-02-15T18:36:00.000-02:002006-02-15T19:10:07.076-02:00O divorcio - Parte 1 de 3Ele ouviu o carro dela chegando. Ruído característico da lata-velha. Ele trajava apenas a camiseta com a qual dormira e uma cueca antiga. Ela uma saia justa nas coxas e alguma peça de roupa muito decotada, salto alto preto. Ela bateu na porta e esperou. Ele olhou-se no espelho enquanto levantava da cama para atendê-la. “Não fiz a barba ainda essa semana, está na hora”, pensou. Ela tornou a bater.<br />-Abre logo essa porta Roberto, eu sei que você ta ai.<br />Ele caminhou devagar, passou pela cozinha. Estava imunda. Estava imundo.<br />-Porra Roberto, abre a merda dessa porta.<br />Ele Abriu.<br />-Hum? - disse ele.<br />-To tentando te ligar a duas semanas, o que aconteceu?<br />-Eu não atendi.<br />-Engraçadinho. Já assinou os papéis?<br />-É, tão por aí.<br />-Pode pegar?<br />Ele vira pra trás e olha o lugar. Garrafas de cerveja, embalagens vazias, pratos sujos, copos sujos, uma garrafa de vodka quebrada, um copo com um resto de vinho azedo, uma caixa de leite, outra de suco, mais algumas garrafas vazias e copos sujos.<br />Virou-se para dar caminho para Clarissa, entendeu o braço para dentro da casa e disse:<br />-Se achar é seu.<br />-Seu traste, não acredito que estás fazendo isso!- esbravejou ela.<br />-De quem é o interesse?- ele sorriu e levantando as sobrancelhas.<br />E dizendo isso se virou e seguiu em direção ao quarto. As pernas brancas andaram flacidamente pelo caminho. Pegou um copo próximo e botou gelo. Encheu de vodka até a borda...<br />-Você continua bebendo tudo isso Roberto?<br />-Bom Clarissa, você sabe como é. Minha mulher quer o divórcio, meu pai morreu ah umas duas semanas...<br />-Ah não, nem me venha com essa.Você sempre odiou seu pai, e bebia desde quando nos conhecemos. Vai dizer agora que o divórcio afetou sua “estabilidade emocional”.<br />Ela remexia entre os papéis soltos na mesa. Ele estava numa grande ressaca. Já havia se acostumado com as grandes ressacas. Era perto das cinco da tarde e ele recém saíra da cama.<br />-Eu te amo Clarissa.<br />-Claro Roberto. Claro.<br />-É sério, você sempre foi uma boa foda.<br />-É isso que eu sempre fui pra você? Uma boa foda?<br />-Bom, eu amo uma boa foda.<br />-Que droga Roberto! Eu também adoro uma boa foda, mas será que esse tempo junto comigo você só pensou em mim como uma boa foda? É por isso que não posso ficar com você , Roberto. Você é um canalha!<br />-Você sempre soube que eu era um canalha. Foi a primeira coisa que eu te disse quando fomos apresentados.<br />-E como é que eu ia saber que não era uma brincadeira de algum engraçadinho tentando aparecer? “Oi, meu nome é Roberto, eu sou um canalha”. Me poupe!<br />Ela não encontrou nada na mesa, mas organizou os copos todos juntos em um canto, e tirou os cacos de vidro e botou-os no lixo. Dirigia-se para a mesa do quarto.<br />-Oquei, eu confesso. Você sempre foi boa em arrumar a casa também.<br />-Você não presta mesmo.Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1138640067633566972006-01-30T14:53:00.000-02:002006-01-30T14:54:27.650-02:00IngênuoPorque a gente cresce?<br />Porque a gente fica gripado?<br />Porque a noite cai?<br />Porque ninguem segura ela?<br />Porque papai<br />Separou-se da mamãe?<br />Porque a gente chora?<br />Porque que a água molha?<br />A aha.<br />Me diz.<br /><br />Porque agente é pobre?<br />Porque não tem comida?<br />Daonde vêm os anjos?<br />Será que eu vou ser um um dia?<br />Porque que eles fazem<br />Se é covardia?<br />Porque que eu não entendo<br />Quando falam de poesia?<br />A aha.<br />Me diz.<br /><br />Porque a casa é pequena?<br />Porque não é tijolo?<br />O que que é safena?<br />Porque que eu não vôo?<br />Porque em cima do muro?<br />Porque da solidão?<br />Porque o mundo é escuro<br />No algo lá quistão?<br />A aha.<br />Me diz.<br /><br />Porque que agente sabe<br />Que um dia agente morre?<br />Como é que luz acende?<br />Como é que o prédio explode?<br />Porque que eles roubam<br />Sentados no dinheiro?<br />Pra isso agente existe?<br />Quando é que é o recreio?<br /><br />Quando é que é o recreio?<br />Me diz...Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1138225882297551692006-01-25T19:49:00.000-02:002006-01-25T19:51:22.313-02:00Pulinhos<div style="text-align: justify;"> José Almeida Campos morava num bloco residencial no centro da cidade com sua mulher e, como todas a grande maioria das pessoas que moram em locais predominantemente urbanos, tinha vizinhos. O homem que morava no apartamento da frente chamava-se Dagoberto, que tinha lá seus cinqüenta anos. Os dois, como bons vizinhos, se encontravam e sempre se cumprimentavam. E José sempre dizia algo como “E o nosso time, hein” ou “Qualquer dia o senhor tem que ir num jogo comigo seu Dagoberto” e o homem sempre respondia “Quem sabe, quem sabe”. Gostavam de futebol, ambos. É claro que gostavam de futebol, eles eram brasileiros ora bolas! E isso no tempo que Michel Jackson era negro e que não existiam homens que não gostassem de futebol no Brasil, a exceção de alguns estrangeiros.<br />Acontece que um dia, numa quarta feira para ser mais preciso, Dagoberto bateu na casa do seu vizinho. “O José, tu vais ir ao jogo hoje?” “Claro, to saindo daqui a pouquinho, quer ir junto seu Dagoberto?” “Opa, deixa só eu pegar minha japona rapaz”. E Assim foram os dois ao jogo do time que aprenderam a gostar com seus pais, o Invenhauto.<br />Durante o jogo, Dagoberto tinha uma expressão estranha no rosto, como se quisesse falar alguma coisa importante e não soubesse como. José se preocupava, achava que tinha algo a ver com o fato de seu vizinho ter perdido a mulher não fazia nem seis meses, mas não se atrevia em tocar no assunto com um homem tão sisudo e polido como ele. Naquele tempo o estádio do time Invenção Do Autor Futebol Clube era ainda em um local ainda muito úmido, de barro pastoso. Volta e meia tinha um valão, um seguimento sem terra, que os torcedores tinham que pular para chegar ao estádio. No fim o jogo empata, e os dois vão saindo do estádio quando se deparam com um desses denominados valões. José, vinte ou trinta anos mais novo que seu parceiro de arquibancada, apressa-se em pular e estender a mão. Dagoberto nem olha para a mão e pula, ainda que com alguma dificuldade, o buraco. Surpreso com tamanha agilidade em alguém tão velho (naquela idade José achava que alguém com 55 anos ou mais era um ancião), disse-lhe “Mas o senhor ainda dá seus pulinhos em seu Dagoberto?”. Dagoberto encheu-se de alegria. Era ali, naquele momento. “Rapaz, tu sabe que tem uma moreninha lá naquela rua, tão bonitinha. Ela me espera sempre as terças feiras, de banho tomado e tudo. Já faz mais de um ano e ela continua cobrando baratinho, mas é uma tetéia de menina”. Imediatamente a expressão de ansiedade de Dagoberto transformou-se em um sorriso de satisfação.<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1137521916049767012006-01-17T15:58:00.000-02:002006-01-17T16:18:37.963-02:00Cochilo<div style="text-align: justify;">Ele voltava do trabalho, um emprego de meio turno em uma locadora de vídeo que usava para pagar a faculdade. Estava no terceiro semestre de botânica, e no ônibus. Preocupado com um trabalho sobre a germinação das pteridófitas em estufas que ele tinha que entregar na sexta-feira. Faltavam dois dias, e ele prestava pouca atenção no ambiente ao seu redor, principalmente por estar cansado da rotina trabalho-faculdade. Foi quando ela entrou.<br />Morena, de pele e cabelo, não era muito alta, tampouco era baixa. Saia jeans e pernas bem encorpadas. Uma blusinha, sem magas, colada ao corpo. Busto redondo, simetria perfeita. Ombros não largos, caminhar intimidante, braços formosos. E claro, a preferência nacional se acentuava, sem ser desproporcional ao resto ou tornar-se excesso. Um tesão. Quando ela se virou depois de passar pela roleta ele pode ver sua face. Por um segundo, esqueceu-se do desejo animal de possuí-la e viu-se consumido por um fogo morno de amor. Pouco depois, obviamente, o instinto voltou e ele uniu o útil ao agradável. Passaria com ela o resto da vida se lhe fosse pedido.<br />No entanto, era um rapaz tímido. Ela tinha que dar o primeiro passo, e ele logo perdeu as esperanças. Ele, magrelo, estranho e com uma pasta onde se lia “botânica”, não via chances. Ainda mais com o ônibus lotado e aquela gorda sentada ao lado. Voltou a sua ocupação anterior, entediar-se, após ver ela parada de pé com alguma dificuldade ao lado de um banco mais à frente. Logo, entregue ao marasmo de olhar o mesmo caminho que sempre fazia para voltar da locadora, cochilou. Por pouco tempo, aquelas piscadelas de cansaço que as pessoas dão no ônibus e acordam quando suas cabeças começam a pender fingindo que nada aconteceu e voltando a fechar os olhos em seguida. Pois é, acontece que ele não acordou quando sua cabeça começou a pender para frente, mas instantes depois. Não com o movimento, como seria de costume, mas com a parada brusca dele ao encontro da cabeça com o encosto do banco da frente. Ouviu uma risada abafada ao lado dele, estava pronto pra dar o seu melhor olhar fulminante e dizer um bocado de desaforos para aquela obesa nojenta de cem ou mais quilos, mas acabou estático diante da visão do rosto para o qual jurara amor eterno, em segredo, pouco antes.<br />Pouco? Quanto ele tinha dormido? Ela esboçou um sorriso encabulado por ter rido da situação dele. Ele ainda mais corado retribuiu o sorriso, percebendo com isso o pouco de baba que se juntara num dos cantos da boca. Mais encabulado ainda se limpou, e olhou rápido para a janela atrás dela. Não tinha dormido muito não, ainda restava um longo caminho pela frente. Não podia descer e esperar outro ônibus, pois demoraria uma eternidade, tampouco descer ali e ir caminhando, por mesma razão. O jeito era encarar. Ele esperava que ela não conversasse com ele, olhasse para o outro lado, e ele faria o mesmo, e estava resolvido, ela nunca saberia que ele era tímido. “Acontece né?” Ela disse. E assim estava dado o primeiro passo.<br />Timidamente (como tinha vergonha de ser tímido!) ele respondeu que sim. Ela perguntou se ele fazia botânica, por causa da pasta. Ele afirmou e recebeu, com surpresa, o interesse que ela demonstrou pela área. Ela estava cursando psicologia, e estava ainda nos primeiros semestres. Ele sempre gostou de psicologia, ou pelo menos sempre a partir daquele momento. Citou tudo que sabia de filmes considerados “psicológicos”, ou qualquer coisa assim. Ela adorava filmes, e para alguma coisa serviu a maldita experiência na locadora. Ela explicou-lhe suas ambições como psicóloga, sobre viagem que queria fazer à França para o mestrado. Ele morava descendo no fim da linha do ônibus, ela, uma parada antes. Despediram-se, ela desceu. Ele desceu, foi pra casa.<br />Bateu com a mão forte na testa e tirou o sorriso dos lábios quando chegara ao seu pequeno prédio. O telefone! Ele não havia pedido o telefone dela. Ainda demorou a dormir, pensando naquele encontro. Talvez a visse amanhã...<br /></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20570174.post-1136462853355629382006-01-05T10:04:00.000-02:002006-01-05T10:17:16.660-02:00Carta a um amigo - A doença de FlelipeA história que segue é verdadeira em grande parte de seu conteúdo, tendo-se pouco acrescentado ou alterado. Aconteceu com um amigo de infância, já distante a um bom tempo, salvo ocasionais encontros não combinados. Soube dos fatos por intermédio de minha amiga Raquel, também amiga dele, uma das poucas pontes que nos mantinham relativamente informados um do outro.<br />Ele tinha 18 anos e era um cara legal. Gostava de aviões, sempre gostou. Seu pai, que já fora cobrador de ônibus, era advogado; sua mãe, ex-costureira, era dondoca. O garoto gostava de futebol como qualquer garoto, e quase sempre jogava no gol. Embora sua vontade fosse a de jogar de armador, sua motricidade deixava a desejar. Esse foi provavelmente o principal motivo que o levara a rodar no primeiro teste para a admissão na aeronáutica, no ano anterior. Mas naquele ano não rodaria, ele estava preparado.<br />Tinha estudado muito para prestar os exames. Talvez não fosse nenhum Einstein, mas tinha muita perseverança. Tinha um gênio forte esse Felipe. Era calmo, apesar de às vezes ele parecer meio lento aos olhos de uns poucos, sempre fora um bom rapaz. Faltava menos de um mês para os exames quando ele tremeu.<br />E tremeu literalmente. Começou com uma dor no peito, não tão forte como a dor de um infarto, mas ainda assim uma dor. Pouco depois vieram os tremores. Não conseguia controlar suas mãos, elas tremiam sem parar. Ele não conseguia comer por conta própria. Era praticamente um mal de Parkinson, só que as vésperas dos seus 19 anos. Depois de uma noite nesse estado, os pais o levaram em um médico, que disse que não era nada com o que se preocupar, era alguma doença da moda como depressão bipolar. Outro, disse-lhes a verdade, ainda que meio perplexo: não fazia idéia. Apenas no terceiro médico, um conceituado neurologista indicado por uma amiga intima, obtiveram uma resposta concreta sobre o que havia com Felipe.<br />Doença de Wilson. Esse era o nome dado à raríssima condição dele. Para se ter uma idéia, essa doença ocorre em apenas trinta a cada um milhão de pessoas. Felipe fora um dos sorteados. Os pais, claramente sem nenhuma noção do que viria a ser a doença (eu mesmo nunca ouvira falar dela), foram elucidados pelo doutor.<br />A doença consiste, disse ele, em um distúrbio no fígado, que leva a acumulação de cobre inicialmente no mesmo. Sendo muitas vezes diagnosticado como uma hepatite e tratada como tal, esse é o principal motivo de morte dos portadores. Pouco é o número de pessoas apresentam a doença, e destas o número dos que chegam a descobrir a doença ainda em vida é ínfimo. Sei que isso não pode ser chamado de “tirar a sorte grande”, mas ter conhecimento da doença é ao menos uma benção menor. Após algum tempo, o cobre passa a se acumular em outros diversos locais pelo corpo. Um deles é nos olhos, entre a parte branca e a colorida. Ali se forma, como se pode notar no seu filho, um círculo de cor cobre chamado Anel de Kayser-Fleisher. Outro local de acúmulo, certamente o mais danoso, é no cérebro. O cobre acaba danificando funções motoras e muitas mais. Sim senhora. Lamento dizer que esse é o caso de Felipe...<br />A mãe de Felipe desatou a chorar. O pai a abraçou firme, porem internamente em frangalhos. O doutor tranqüilizou-os dizendo que havia chances. Que doença podia ser combatida e que a vida do jovem não estava perdida. Infelizmente a conhecimento possuído pelo doutor em neurologia era muito superior que o em relações interpessoais, e cada colocação agravava mais o desespero do casal. Finalmente calou e esperou. Quando tudo se acalmou o doutor falou novamente. Eles saíram de lá com um remédio raro e, por conseguinte, caro para seu filho. Tristes, porém esperançosos.<br />Passaram alguns dias sem que o jovem doente tivesse uma grande recuperação. Aumentaram a dosagem do remédio. Havia outros remédios a serem dados sem dúvida, mas esse era o único disponível. Os outros, existentes apenas no exterior, nos países mais desenvolvidos, custavam fortunas de intimidar os quadros de Monet ou um pouco menos. Dá-se um jeito; dizia o pai do garoto à própria mulher, exaurida de forças. Mas isso obviamente não foi tudo. Os caminhos tortuosos do destino reservam muitas surpresas além da compreensão de qualquer humano, limitado como é.<br />No fim de semana posterior ao aumento da dosagem do remédio, Felipe saiu com os amigos. Tinha tudo para ser uma saída normal, nada digna de redondilhas, não obstante sempre há um imprevisto. Não sei se nas horas mais avançadas da noite, ou mesmo na tarde dominical. Sei que houve uma briga.<br />Uma briga? Estranhei quando Raquel me contara a história. Felipe nunca fora briguento. Rapaz calmo, já disse anteriormente. Não se meteria em briga nenhuma à toa. E realmente não se meteu, meteram-no.<br />Provavelmente devido a alguma discussão de algum de seus amigos com um membro de outro grupo, iniciada por motivos obscuros a mim, mas, ao que tudo indica, pelo grupo adversário. Ainda no início da briga ocorreu a catástrofe. Um dos jovens salta, e com uma ou duas patas acerta o inocente no peito. Com a coordenação já fraca e devido ao forte impulso, Felipe cai. Quisera eu fosse uma queda banal, e que ele voltasse para casa pela polícia que com sorte acabaria intervindo na confusão. Claro que a sorte não estava ao lado de Felipe nos últimos dias.<br />Quando caiu, bateu a cabeça. O paralelepípedo que limitava a rua onde eles estavam abriu um rombo na cabeça do jovem. O sangue e o susto cessaram a briga. Os amigos do atingido chamaram uma ambulância. Traumatismo craniano. Quando souberam, os pais correram ao hospital sem nem mesmo pensar, apenas para achar o filho em coma, semiprofundo. Só após assegurar que Felipe tinha o melhor que a cidade, terceira capital mais importante do país, podia oferecer é que os pais tiveram tempo para sentir a dor. Não, não posso formular descrição para tamanha dor e espero nunca poder.<br />Pouco depois um sorriso estampou-se, ainda que por não muito tempo, no rosto do casal. Seu querido havia acordado. Claro, ele ainda tinha um hematoma enorme na cabeça, uma elevação sensível que devia estar entre seis e 21 centímetros. Ele dizia coisas horríveis na mesma proporção que dizia maravilhas, ambas com a honestidade que não seria extraída do melhor dos atores das tragédias gregas. Fossem verdade ou não, pareciam. Ai, que bom que tu veio, dizia ele, me dá um beijo? Pouco depois gritava, a plenos pulmões: Sai daqui! Eu te odeio! E assim ia do eu te amo ao tu é a pior mãe do mundo. E assim passou o natal com a sua família, no seu quarto branco. Obviamente, muitas dentre as coisas por ele ditas não eram seus reais sentimentos. Tudo coisa da cabeça dele, com o perdão da expressão. É compreensível, no entanto. Ele tem uma doença raríssima acumulando cobre na cabeça dele, essa que levou a pior em um embate com o chão. Muitas das funções no cérebro estão desordenas.<br />Esse é seu atual estado. Não é o melhor que já esteve, mas está se recuperando da última lesão. Diante disso tudo muitos, incluindo a mim e certamente os pais de Felipe, questionaram coisas como: Porque, meu Deus? É justo isso? Como tantas coisas más ocorreram em tão pouco tempo com alguém tão merecedor de bondade? Existirá algo de bom para compensar todo o mal? Será que ele vai melhorar?...<br />Eu, em minha insignificância, só posso desejar as mais sinceras melhoras.<br /><br /><div style="text-align: right;"><span style="font-weight: bold;">janeiro de 2006<br />com carinho, Lucas Chando Nunes Soares<br /></span></div>Chando, Lucashttp://www.blogger.com/profile/03484066065823695094noreply@blogger.com3