05 março 2007 

Cinza

Chegou em casa cansado. Molhado, derrotado, falido, desesperado. Cambaleou porta adentro, embriagado. Abriu a geladeira, nada para comer, duas cervejas e um vinho avinagrado. Pegou uma cerveja, abriu-a, tomou um gole. Sentiu enjôo, já havia bebido essa noite, alguma outra coisa, provavelmente whisky, sempre levava o junto de si um pouco, principalmente no inverno. Era inverno. A cerveja lhe fazia mal, tomou metade em largos goles e sentiu vontade de vomitar. Entrou no quarto escuro, foi até o banheiro, abriu a tampa do vaso e mijou. Detestava o ato de mijar, sempre tão urgente, tão incômodo, tão vulgar. Acendeu a luz do banheiro e viu que não errara a pontaria, pelo menos dessa vez. Olhou sua cara no espelho, meio torta, cansada, perdeu-se em reflexões sem importância. Tirou a carteira de cigarros do bolso, pegou um com a boca enquanto procurava o isqueiro entre os bolsos, achou, no bolso de trás da calça, sempre colocava no da frente, havia se enganado na última vez. Acendeu o cigarro, deu um tragada longa, longa demais, olhou para cima, soltou a fumaça, sentiu calor. Tirou a camisa molhada da chuva, tonteou, caiu no chão do banheiro, o cigarro aceso entre os dedos. Como diabos eu cai?, pensou. Deu outra tragada, soltou a fumaça para cima, olhou para o lado enquanto soltava o final da fumaça. Perto do vaso sanitário, uma barata.

Levantou no susto, a barata correu também no susto. Ele a esmagou com a sola do sapato preto ainda molhado, ainda meio tonto. Nojo. Nojo de baratas, sempre teve, nunca ia deixar de ter. Sentou no vaso com a tampa abaixada, deu outra tragada. Pegou o papel higiênico, limpou os restos mortais do monstro de seu sapato, soltou a fumaça, limpou o chão com outro pedaço, jogou ambos no lixo. Levantou-se, lavou o rosto com a mão direita, segurava o cigarro com a outra, era canhoto. Molhou todo o chão do banheiro. Tirou os sapatos e as calças, jogando-os no quarto escuro. Molhou-se mais uma vez, estava molhado da chuva, sentia muito calor. Foi para o quarto.

Tropeçou nos sapatos ao tentar achar o interruptor, achou-o, o quarto já não era mais escuro. Uma cadeira e uma mesa com papéis e a velha máquina de escrever num canto, coberta de pó, será que ainda funcionava?, pensou. Provavelmente não, não escrevia nada há anos, perdera os sonhos juvenis de ter algum futuro literário. Uma cômoda com quatro gavetas e um rádio antigo AM/FM em cima. Um cabideiro onde pendurava em cabides algumas poucas camisas (sempre gostou mais de camisetas, lhe davam um ar mais jovem) e um colchão de casal estendido no chão. Esse era o quarto. Acabou o cigarro de pé ao lado do interruptor, jogou o toco num canto cheio de tocos, o qual ele juntava uma vez por mês ou algo assim. Deitou-se na cama de lençóis desarrumados trajando apenas a roupa de baixo. Sentiu-se tonto de novo, enjoado, e com sede. Lembrou da cerveja esquecida na cozinha, levantou-se e quase caiu de novo, mas conseguiu manter-se de pé e foi pegar a cerveja. Tomou um gole, ainda tonto, ainda com sede, mais enjoado. Acabou a cerveja e sentiu vontade de vomitar de novo. Tornou ao banheiro.

Lavou a cara mais uma vez. Estava muito calor aquela noite. Não queria vomitar, sentia nojo, sua barriga doía muito com as contrações, o gosto era horrível. Pôs o dedo na boca e forçou o vômito. Treze minutos vomitando. Detestava aquilo, não queria vomitar. Nojo, barriga doendo, gosto ruim. Lavou-se e deu a descarga, lavou-se novamente. Foi até as calças e pegou mais um cigarro. Acendeu, deitou na cama revirada de lençóis suados, fumou até o fim deixando as cinzas caírem no chão. Adormeceu.