22 março 2006 

Bochechas.

Bochechas.

-Sério, não me leve a mal, mas eu acho a sua amiga extremamente arrogante.
-A Fulana?
-É, essa.
-Mas por quê?
-Sei lá, o jeito dela. Não consigo ver ela de outro modo. Sempre me parece arrogante.
-Mas ela é tão querida.
-Eu sei que é. Bem simpática...
-Mas então?
-Acontece que ela parece falsa.
-E arrogante?
-É.
-Mas de que jeito?
-Sempre. Quando sorri especialmente.
-Quando sorri? Perdeste o juízo!
-Não, é sério! Quando ela sorri levantam-se as bochechas.
-Mas o que é que têm as bochechas!?
-As bochechas dela são bonitas, vermelhinhas até.
-Então?
-Não sei, não me caem bem. São bochechas esnobes, falsas, hipócritas.
-Bochechas arrogantes?
-Bochechas arrogantes.
-Oquei. Me passa a margarina.

09 março 2006 

Arnaldo no mercado.

Certa feita encontrei Arnaldo no mercado. Ele estava na fila do caixa, grande Arnaldo. Meio acabrunhado no dia, não saberia dizer porque. Ele usava uma roupa bem apessoada até, o que não era de seu feitio. Nada de chique, nem mesmo um terninho, mas bem vestido. Sempre que eu o via ele estava com uns calções rasgados e camisas velhas, a não ser que viesse do trabalho. E não me lembro de uma vez que estivesse sem a mulher, Lúcia, do lado. Exceto essa, não havia ninguém ao lado. Havia uma mulher na frente dele, mas obviamente estava na fila para o caixa assim como as outras três pessoas na frente dela. Ele trazia um cesto com algumas frutas, e um pouco de chantili. Eu ainda não tinha feito as compras, e parei pra jogar papo pro ar.
-Então? Voltando do trabalhando?- perguntei
-é...- falou baixinho, como se estivesse com vergonha.
-Que há homem? Vai se deixar abater por eu te pegar com os melões nas mãos agora?
Ele esboçou um sorriso tímido. Estranho. Na praia ele sempre fora tão entusiasta, tão falador. Conheci-o na praia, num botequim de praia. A mulher dele comia um milho verde e usava uma regata. Eu estava sozinho jogando sinuca. Ele deixou a mulher com uma amiga e veio jogar comigo. Ele tem uma casa naquela praia, perto da de meu padrasto, onde eu passava um tempo no verão. Ele estava realmente estranho, resolvi continuar eu mesmo a conversa.
-E a Lúcia? Nunca vi vocês dois separados?
-Bem... Ela ta na praia...
-E com ela na praia você faz isso. Bem é compreensível...
-Não! Olha Roberto, você não ta entendendo. Eu vou logo pra praia, no domingo!- Ele disse afobado.
-Trabalhando duro no verão hein?
-hehe, é.
Agora um senhor de idade terminava de passar suas compras. Depois disso havia a mulher e ele. Ele estava realmente inconfortável. Talvez não estivesse acostumado a ser visto fazendo compras, achasse isto uma tarefa feminina. Eu nunca fui bom em fazer compras também. Ou talvez ficasse inseguro com sua mulher na praia, solta. Podia ser simplesmente falta dela, quem sabe? Eu não pretendia ficar muito mais ali. Eu precisava de uma cerveja gelada, e mais algumas para o estoque de casa.
-Vou indo então Arnaldo. Acho que vou dar uma passada na praia pela sexta-feira. De repente encontro Lúcia...
-Ta...Tchau.
Ele falou ainda meio gaguejando. Pobre homem. Ainda virei para trás e apontei pra ele, dando uma piscadela. Mal arranquei-lhe um sorriso tímido, virei no corredor sete. Travesseiros.

-Alô, Lúcia?
-É ela, quem é?
-Sou eu, Arnaldo.
-Oi amor, que bom que ligaste! Muito chato o trabalho de organizar todas as coisas do ano da firma?
-Você não sabe como! Mas eu tenho que falar rápido, olha só.
-Tou vendo.
-Não seja sonsa Lúcia! Você conhece o Roberto não é?
-Não seja você. Que pergunta! É claro que conheço!
-Pois bem, você sabe como ele é brincalhão não é?
-Não lembro dele fazendo muitas brincadeiras...
-Ora, vamos! Quem é que ele vê com mais freqüência, eu ou você?
-Você.
-Então. Ele sempre foi brincalhão, mas comigo. Sabe como é, coisas machistas e tal.
-Sei...
-Bom, é o seguinte: A mulher que estava comigo no supermercado era minha secretária viu?
-Que?
-Faltou luz no escritório, nós saímos para comprar algo gelado e umas frutas, para continuar na atualização de arquivos, sabe?
-Porra Arnaldo, você andou bebendo? Que tem isso a ver com o fato de Roberto ser brincalhão?
-Pois bem, acontece que ele me encontrou no mercado com ela. E pelo que conheço ele, vai falar poucas e boas e encher-te a cabeça de minhocas!
-Ora Arnaldo, e você me liga pra me precaver de um possível brincadeira?
-É que... Você não conhece o Roberto!
-A conheço. Ele é aquele seu amigo de quem falávamos agora pouco, têm uma casa perto daqui.
-O padrasto dele tem.
-Tanto faz.
-Olha Lúcia, tenho que desligar.
-Espera ai mocinho, me explica essa...
-Te amo, tchau.

Era sexta-feira. Roberto chegara na praia pouco antes das cinco, por volta das oito Lúcia batera à sua porta.
-Olá Roberto.
-Lúcia, que surpresa! Esperava te ver só amanhã.
-Não pode esperar, não agüento mais!
Lúcia foi entrando esbaforida pela casa, sentou-se logo no sofá.
-Desculpe Lúcia, mas não vou trair meu amigo só para satisfazer sua volúpia. – Disse Roberto.
-Ah é? Quer dizer que não vai me contar da mulher que estava com ele? – retrucou Lúcia, ríspida.
-Quero dizer que não vou transar com você.
-Quem falou que EU quero transar com você, seu egocêntrico?
Lúcia fez uma breve pausa enquanto Roberto fechava a porta atrás de si. Ele se dirigiu à uma poltrona.
-Conta logo da mulher! - Prosseguiu agitada.
-Mas que mulher? - Disse Roberto, sentando-se.
-Ora, vamos! Como ela era? Mais nova que eu? Vinte anos? – Os cabelos dela caiam sobre a cara soltos, emaranhados.
-Sinceramente Lúcia, não sei do que você está falando.
-Diga logo de uma vez! Você não estava louco para me falar isso?
-Não!
-Como?
-Não ué.
-Por que você me ligou então, marcando um encontro para amanhã?
-Para falar sobre Arnaldo.
-Sim, sobre a traição.
-Mas que traição mulher!
-Sobre o que então?
Roberto respirou fundo. Massageou as têmporas, sentia dor de cabeça pelos gritos da mulher histérica.
-Eu queria dizer-lhe que ele me pareceu muito aflito quando o encontrei no mercado.
-Aflito?
-É. Ele parecia com medo de algo.
-Mas medo de que?
-De que você o traísse, talvez. Você aqui na praia, ele lá.
Roberto realmente pensava que Arnaldo tinha medo é de uma mulher feito Lúcia, de tamanha paranóia. Ela nunca aparentara ser como agora. Talvez os dois parecessem normais juntos e só separados mostrassem como levam a vida de cônjuge. Mas Roberto não falaria isto àquela mulher, ele próprio já estava com medo dela.
-E o que mais? – perguntou ela.
-E o que mais? Bom, ele levava uma cesta com frutas. E chantili eu acho. Ele devia estar comendo porcarias sem você para cozinhar... Exceto pelas frutas.
-Chantili? Aquele desgraçado comprou chantili?! A anos ele não compra chantili!! – A mulher enfurecia-se cada vez mais. Respirou. Acalmou-se um pouco.
-Ele me ligou quarta-feira. – Lúcia continuou, enfim.
-Que bom! Vocês se comunicam! – O olhar frio dela fez calar Roberto no mesmo momento.
-A mulher com ele... Parecia uma secretária?
A cara mais sincera de perplexidade tomou conta da face de Roberto.
-Mas que mulher?
-Você não viu mulher nenhuma com ele?
-Não!
-Ele me disse que você o vira junto com uma mulher, e tratou de se explicar, dizendo que ela... Canalha!
-Eu?
-Não você, imbecil!
E saiu.