26 junho 2006 

O sorriso de Júlia

Hoje aconteceu uma coisa estranha no recreio do colégio. O sinal havia tocado a pouco e eu estava na fila do bar com a Júlia, para comprar um doce. Foi de lá que eu vi Jorge descer as escadas com dois meninos novos, Pedro Mendel e Arthur de Souza. Todas as meninas, inclusive Júlia, tinham achado esses dois bonitos e Jorge ia colado neles como um carrapato. Parecia que ele queria roubar um pouco do glamour deles. Eles usavam o uniforme do colégio, como todo mundo, mas Pedro Mendel e Arthur de Souza usavam as melhores chuteiras do colégio, e as mais caras também. E eles nem gostavam de futebol! Eles usavam gel no cabelo, e tinham celulares também. De última geração, provavelmente melhores que os computadores do colégio. E Jorge? Jorge não tinha nada.
Jorge usava um uniforme antigo que fora do seu irmão, e uma calça de moleton que sua mãe já havia costurado os joelhos umas cinquenta vezes. A mãe de Jorge é faxineira do colégio, e o pai dele é açogueiro. Eu sempre via ele com a mãe no recreio, ela trazia uma merendeira pra ele. Nunca mais vi os dois juntos depois que Pedro e Arthur chegaram, Jorge só anda com eles. E hoje ele descia as escadas com eles no recreio.
Dona Iolanda, mãe de Jorge, saiu do elevador no exato momento que o filho dela e seus novos amigos se dirigiam à fila. Ela parou ao lado da fila e abriu um sorriso para Jorge, estendendo-lhe a marendeira vermelha. Ele olhou nos olhos dela com raiva e desviou o olhar, ficando de costas para ela. Eu sabia que ela era mãe do Jorge, quase todo colégio sabia, menos aqueles dois metidos do Pedro Mendel e do Arthur de Souza. Eu vi os olhos da Dona Iolanda ficarem vermelhos. A mulher recolheu o braço com a merendeira e correu para o banheiro aos prantos. Pedro e Arthur, que elém de metidos eram tapados, não notaram a cena toda e achamram estranho uma faxineira correr chorando para o banheiro com uma merendeira vermelha.
Eu fiquei furioso com aquilo. Os dois metidos não tinham culpa de ser metidos, mas Jorge estava sendo um babaca. Eu ia sair do meu lugar na fila e dizer umas verdades para ele, ia dizer que ele era um idiota e que não podia fazer uma coisa daquelas com a mãe dele. Eu estava indo lá para dar um murro na cara de Jorge quando senti a mão de Júlia no meu ombro.
-E você Lucas, o que vai querer?- ela disse.
-Um sonho de doce de leite, por favor.- respondi.
Ela sorriu para mim e fomos lanchar de mãos dadas. Acho que ela gosta de mim.

07 junho 2006 

O dia depois do dia da besta.

Ele estava indo à casa de um amigo. Sentiu vontade de comer uma laranja, desceu do ônibus. Eu tenho trinta e cinco centavos no bolso, pensou, será que com esse dinheiro eu compro uma laranja? Não sei, pesa e vê, foi o que pensou em seguida. Ele atravessou a rua e caminhou alguns passos até o armazém. Laranjas, laranjas, havia várias, devia ser época. Suco, de umbigo, do céu, vários tipos. Escolheu a laranja do céu, de preço intermediário. Ele queria uma de suco, mas ele havia apalpado algumas, estavam com uma consistência não muito boa. Pegou a laranja e colocou na balança. O homem da balança não conseguia ver o preço do quilo de laranja, então ele disse ao homem. O homem colocou o preço, a máquina mostrou o preço, trinta e quatro centavos pela laranja. Ele pegou trinta e cinco centavos e pagou ao homem do caixa, o mesmo da balança, e disse: pode ficar com o troco.

Subiu na casa do amigo, falou com ele, deu oi para a família. O amigo almoçou lasanha, ele comeu a laranja. Tinha gosto de laranja do céu, ele não gostou muito, preferia a laranja de suco. Uma pena elas não estarem boas, comentou. Ele fez o que tinha que fazer, o amigo botou calças e então saíram. Primeiro ao banco, depois foram ao cinema.

Entraram na sala de cinema, portando quatro pães de queijo e dois refrigerantes. Ele disse, olhando para o carpete: Cara, que vontade de deitar e ronronar. O amigo riu, do ronronar principalmente. Sentaram, as luzes acesas, o filme sempre demora pra começar. Ele levantou com a sacola dos pães de queijo, que eles haviam acabado instantes antes. Desceu a sala de cinema, pois haviam sentando no meio dela, e era daquelas que da entrada se subia para chegar aos lugares. Colocou a sacola no lixo, então voltou. Antes de entrar na fila de poltronas onde estava seu amigo, deitou no chão. Mexeu-se como um gato, de barriga para cima, de um lado para o outro, com as patas no ar. Ronronou enquanto fazia isso. Um sujeito sentado na fileira de trás olhou para aquilo, então olhou para seu companheiro e disse: que bom que tu ta comigo, se eu contasse ninguém acreditaria. Claro que ele não ouviu isso enquanto ronronava, seu amigo lhe contou depois, do mesmo jeito que contou de um outro cara que olhou para ele enquanto ele estava ali no carpete com olhar incrédulo, e depois virou para frente e deu os ombros. Então ele levantou. Um rosto natural, a principio, que instantes depois se abriu em um sorriso bobo de felicidade. Ele sentou ao lado do amigo. Ambos riram um pouco, baixo. O filme começa.