14 abril 2006 

O segurança.

Certa vez eu estava dirigindo meu velho chevete verde enquanto o céu clareava, quando percebi um homem só em uma parada de ônibus. Estava chovendo, e eu estava voltando de uma festa, meio alcoolizado e sozinho. Quis companhia.
Parei e abri a porta do passageiro.
-Vai pra onde cara?- ele me perguntou.
-Que diferença faz? Essa estrada velha só tem uma direção mesmo.
Ele entrou. Era meio gordo, tinha um estilo fracassado. Pela cara. Tinha uma cara de fracassado. Você sabe, ou pensa que sabe, quando uma pessoa é fracassada pela cara dela.
-Então, qual é o seu nome?-perguntei.
-Marcos.
-E o que você faz a essa hora, com essa chuva danada, numa parada de ônibus?
-Eu estava voltando pra casa.
-Que coincidência feliz, eu também.-eu disse sem ânimo.
-Eu sou segurança noturno daquela sede ali atrás...-ele disse.
É claro que era. Ele estava usando um uniforme de segurança. Eu poderia ser um marciano e ainda assim ia perceber isto, gordo idiota.
-Muito trabalho?
-Não muito.
-Foi bom hoje?
-Um tédio. Esses aí não sabem fazer festa.
Estranhei o comentário, quase me interessei. Mas dei continuidade à conversa.
-Não sabem é?
-Oh, não.Tem uns que destroem várias coisas. Até quebram uns carros. Mas esses aí não nos deram nenhum trabalho.
-E não é bom não ter nenhum trabalho?
-É tedioso.
-Hm...
O pára-brisa do carro fazia um barulho estranho. Estávamos a uns 5 minutos ali já. Saímos da estrada de um caminho só, começávamos a nos aproximar mais da cidade. Ele não chiou um instante. Eu sabia que se eu começasse a ir por um caminho diferente do dele ele pediria pra parar.
-Sabe...- ele começou –Quase sempre uns casais saem do salão de festas...
-É mesmo?- perguntei sem interesse.
-É. E às vezes eles vão pra um matinho. Pra foder.
Ele deu umas pequenas risadas, como que para ele. Interiores.
-O que é engraçado?-perguntei.
-Agente sempre vê quando eles fazem.
-Quando fodem?
-É.
-E o que vocês fazem?
-Varia.
Eu fiquei, por alguns segundos, pensando no que aquele desgraçado ia me responder. Pervertido de merda, pensei, eu tou dando carona prum maldito punheteiro de merda que fica olhando os outros foderem. Mas ele continuou.
-Às vezes eu interfiro. Outras eu só olho e deixo-os numa boa. Às vezes eu berro de longe alguma coisa, logo que querem começar. Eles sempre se assustam.
-Hm...
-Teve uma vez, acho que foi a melhor de todas, que eu esperei até eles estarem bem no finzinho. Eu esperei, e esperei. E o desgraçado não gozava nunca. Ele cobria a boca dela com a mão, pra abafar os gemidos. Qualquer um poderia ouvir o “som de palmas”, mas eles nunca se tocam. Acham que um simples gemido vai denunciá-los, mas eles se denunciam quando saem do salão, depois de terem se esfregado por um bom tempo lá dentro. As pessoas cheiram a sexo.
-E então você esperou.-estava intrigado sobre o que ele tinha feito dessa vez. Ele continuou.
-Eu esperei. Eu vi, na cara dele. Vi quando os movimentos estavam começando a diminuir. Ele estava quase gozando. Eu estava a uns poucos metros dali.
-E então, Marcos, o que você fez?
-Eu gritei, bem alto: QUE QUE CÊS PENSAM QUE TÃO FAZENDO SEUS FILHOS DA PUTA! ISSO AQUI É PROPRIEDADE PARTICULAR E NÃO PUTEIRO O CARALHO! Tu tinha que ter visto eles. Eles pularam num salto, vestiram meio que de qualquer jeito e saíram correndo. A guria tava só com o vestido levantado, deixou a calcinha ali mesmo e se mandou. O cara tava com as calças arriadas. Tropeçou, caiu de cara, juntou as calças e correu ainda com o pau de fora. Foi hilário.
Eu esbocei um sorriso. Ele não era mal sujeito apesar de tudo. Só estava se divertindo um pouco. Logo mais disse:
-Eu fico aqui, cara. Eu não sei o seu nome.
-Nem vai saber, quando acordar amigo. Que diferença faz?
Ele me deu um aceno e um obrigado, de fora do carro. Eu segui por ais uns dez minutos até chegar em casa. Tirei os sapados, deitei, e ri.

07 abril 2006 

As crianças estavam na sala...

Ele entrou batendo a porta, furioso. Chutou o gato que estava no caminho. Malditos gatos no caminho, só servem para serem chutados quando as coisas não vão bem. Caminhou rápido até diante dela. Porra, primeiro Gustavo e agora isso! O que você tem Jaqueline? Ele estava realmente brabo.

Jaqueline estava imóvel no sofá, deixou cair o controle remoto da mão ao ver o rosto dele. O noticiário informa mais três mortes no dia ontem. As pessoas estão ficando loucas, é isso que eu digo, dizia um engomadinho sendo entrevistado. Um jovem viciado vendeu a mãe. A mãe! E para um desgraçado sodomita com gostos estranhos. Ele começou a gritar.

Porra! Ele era meu amigo. Meu melhor amigo! O grande homem de camisa regata branca suada era como um armário. Um brutamontes, sim. Daqueles do tipo peão. Como você pôde? Por quê? O que eu fiz de errado? Ele simplesmente não conseguia compreender. Foi quando ela respondeu. Você nunca foi bom o bastante.

O inferno que não foi. Fora o melhor marido que ela poderia arranjar. Trabalhador, honesto, atencioso. Exceto nos dias de jogo. Mas fora melhor do que qualquer outro crápula daquela cidade seria para ela. Comera umas putas algumas vezes, mas nada como aquilo. E foi durante as crises dela. Ela estava louca, descontrolada. Sempre tivera um problema com a bebida. Ele tinha que deitar com alguém enquanto pagava a clínica para a vadia da sua mulher se desintoxicar.

A raiva tomou conta dele por todo. Ele viu a faca em cima da mesa da cozinha. A de cortar carne, sempre a de cortar carne. Foi pegar, calmamente. Segurar o cabo lhe deu uma ereção. Normalmente se sentiria um porco nojento, mas não naquele ali. Uma sensação de potência, uma vontade que não podia ser suprimida.

As crianças estavam na sala...