18 dezembro 2008 

Dia de Jogo.

Eles eram colegas de trabalho, nada demais. Ele estava trabalhando lá há uns três meses quando ela entrou. Ela nunca havia trabalhado em um restaurante antes, e tinha tido poucos empregos antes deste. A mando do gerente, ele começou a ajudá-la visto que ela era um tanto atrapalhada. Ele lhe deu dicas e a treinou bem, e em pouco tempo ela se tornou uma boa atendente. Trabalhavam à noite. O restaurante abria às seis horas, mas tinham que chegar as cinco para deixar tudo organizado. Fechavam à meia-noite, exceto nas sextas e sábados em que ficavam até mais tarde.

Davam-se bem os dois. Apesar de não serem muito chegados no início, batiam um papinho aqui e ali. Tinham interesses semelhantes e algumas idéias parecidas, como todo mundo. Gostavam de filmes, de dançar, de sorvete, de lasanha, de música, essas coisas que quase todo mundo gosta. Ele tinha uma quedinha por ela, embora ele próprio ainda não soubesse disso. Em pouco tempo, começaram a se conhecer melhor. Nada muito intimo ou sério, coisas como a quantidade de universos existentes, o que estariam fazendo em cinco anos, opiniões sobre política, estilos de artesanato, times de futebol, parentes distantes e várias coisas mais abstratas. Estava tudo indo muito bem, até aquele dia.

Era uma quinta-feira. Chovia. Não era nenhum dilúvio, mas também não uma chuva de molhar bobo qualquer. Chovia o suficiente para espantar os clientes e deixar o lugar jogado as moscas. Para piorar ainda mais a situação, era dia de jogo. Quase todos os clientes do lugar tinham tevê a cabo, e os poucos não gostavam de futebol, não gostavam muito de chuva. Os únicos lugares com clientes eram botecos com tevê a cabo, que não conseguiam fechar devido ao grande número de torcedores das classes mais baixas comemorando ou lastimando o resultado do jogo. Às dez horas, o gerente dispensou a maior parte do pessoal. As onze foi a vez do gerente e de mais alguns irem embora, deixando apenas ela para fechar o caixa, ele para supervisioná-la e ajudar no fechamento do resto da loja, e uma pessoa na cozinha caso algum lunático aparecesse querendo comer algo até a meia noite. Ninguém apareceu e o cozinheiro foi embora quinze minutos antes para pegar o ônibus mais cedo. Os dois ficaram fechando a loja, e ela se demorou atrapalhou um pouco na contagem do caixa. Era a primeira vez que fechavam a loja juntos, só os dois. Era diferente.

Ele se trocou e esperou por ela para levá-la até a parada. Como nenhum dos dois havia levado guarda-chuva, caminhavam apertados nas pequenas marquises. A parada dela ficava a quatro quadras dali, e a dele duas quadras depois da dela. Antes do fim da primeira quadra tinham desistido das marquises e andavam normalmente pelo meio das calçadas, cabelos molhados no rosto e roupas encharcadas. Começaram a conversar e se distraíram, não notando o ônibus dela chegar até ser tarde demais, eles ainda a uma quadra e meia da parada. Ela praguejou, suspirou e riu, tendo perdido o último ônibus da sua linha. Agora teria que pegar um táxi. Ele disse que rachava o táxi com ela, que era caminho (mesmo não sendo). Ela concordou e foram caminhando até um ponto de táxi algumas quadras dali.

Obviamente, não havia táxis no ponto naquele exato momento. Decidiam esperar em um barzinho na mesma quadra, que não conseguia fechar por causa dos torcedores embriagados comemorando a vitória do time. Eles sentaram em uma mesa que poderiam cuidar o ponto pela janela, pediram uma cerveja e se puseram a botar papo fora para passar o tempo. Na terceira cerveja, por volta das duas da manhã, falavam sobre as preferências dos homens nas mulheres e o padrão de beleza atual. Conversa de bar. Ela diz convicta que, para todos os efeitos, ela não era uma mulher bonita. Ele a olha.

Seus seios soltos, sem sutiã embaixo do moletom azul molhado pela chuva. Cabelos negros ondulados pingando água em sues ombros, os olhos castanhos fitando-o e a calça delineando suas coxas voluptuosas. Um sorriso em seus lábios rosados levemente rachados do frio. Ele responde.

-Eu te acho linda. Linda e sexy. Tu é a mulher mais sexy que eu conheço, e um dia ainda vou te levar pra cama.

Ela ficou atordoada, silenciosamente chocada. Um turbilhão de pensamentos tomou conta da cabeça dela, em um espaço de tempo não maior que um instante.

"O que ele quer dizer com isso? Como ele me fala uma coisa dessas assim, na cara, sem nem ficar vermelho! Aimeudeusaimeudeuselegostademim! Será? Só quer transar e depois ir embora, com certeza. Mas ele trabalha comigo! Ele até que é bem bonito, e tem umas mãos tão firmes. Essa foi a coisa mais bonita que já me disseram em toda minha vida. Que atrevimento! Um dia, vou levar ele pra cama."

O instante passou e ele estava ali, na sua frente, sorrindo, a sua mão em cima da dela, a outra no copo de cerveja. Estava verdadeiramente ali. Ela sentiu um desejo, um impulso, uma vontade incontrolável, maior que ela, maior que tudo que ela experimentara antes, maior que o universo. Agarrou a nuca com poucos cabelos molhados, puxou-o para perto de si e beijou-lhe com toda paixão e desejo que sentia.

Pediram a conta.