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28 maio 2007 

Ventilador

I.
Ela dormia tranqüila. Ele olhava fixamente o teto e o movimento rápido do ventilador. Ele estava cansado, mas não conseguia dormir, nunca conseguia. Tirou a mão dela pousada sobre seu peito com cuidado para não acordá-la com o movimento. Não queria que ela acordasse, ela estava dormindo um sono tão profundo, tão bonito. Passou por cima do corpo dela com a mesma cautela com que havia afastado o braço e, quando ela pareceu sentir o movimento, deu-lhe um beijo na testa e disse-lhe para que dormisse, que ele já voltava.

A televisão sem som passava um drama antigo, daqueles filmes bons que emocionam um homem durão e fazem alguém mais delicado verter lágrimas. Ele sorriu para uma cena familiar (havia visto esse filme mais de cinco vezes) e saiu do quarto a passos silenciosos. Lavou o rosto no banheiro, molhando-o por três vezes antes de começar a ensaboar. Estava com calor, tirou a camiseta branca sem estampa que usava para dormir ou sair nos feriados. Não era feriado. No espelho, as marcas no pescoço e nas costas e as olheiras em seu rosto denunciavam os feitos da noite passada, bem como o cansaço pela noite não dormida. Secou o rosto na toalha, e tornou a molhá-lo convencido de que estava muito quente àquela noite. Saiu do banheiro.

Foi em direção à sacada do apartamento, deixando a camiseta no caminho em um canto do quarto dela junto com suas cosias, aproveitando para pegar o isqueiro e os cigarros. Abriu a porta da sacada com todo o cuidado e passou por uma fresta pequena, fechando-a atrás de si. Apoiou-se no parapeito com as duas mãos à distância de um braço uma da outra, como sempre fazia em sacadas. Olhou para o céu sem nuvens e torceu para que as nuvens chegassem, para que chovesse no dia seguinte. Acendeu um cigarro e pôs-se a pensar sobre todas aquelas coisas irrelevantes que todas as pessoas pensam quando estão sozinhas. O cotidiano, o futuro, o que ele iria fazer amanhã, como se manteria no emprego, se iria embora antes do meio dia para almoçar em casa, se sua irmã estava se alimentando direito, se as ruas não estavam muito perigosas para uma menina de sete anos brincar até as oito da noite, se esse calor não vai passar e onde ele pretendia estar daqui a dez anos. Todas aquelas coisas irrelevantes que todas as pessoas pensam quando estão sozinhas. Acabou o cigarro. Ele resolveu checar ela, ver se estava tudo bem.

Ela dormia ainda, num sono um pouco mais agitado, em uma outra posição, bem diferente da primeira. Dormia de bruços, uma das pernas encolhida, a outra totalmente esticada. A mão perto do próprio peito, como que protegendo algo, a outra embaixo do travesseiro. Um rosto levemente espantando e suado em meio a um sono agitado. Ele deu-lhe um beijo e segurou um pouco sua mão. Ela se acalmou um pouco e nos seus lábios se formou um pequeno sorriso, ela não respirava mais ofegante. O apartamento todo silencioso, a luz da televisão e a do banheiro sendo as únicas acesas, ouvia-se às vezes o som dos gatos da vizinha miando por comida, ou o barulho das patas deles no assoalho de madeira, quando pulavam. Ele deitou-se ao lado dela e deixou que o braço dela pousasse novamente em seu peito. Apoiou a cabeça em sua própria mão, olhando para o teto. O ventilador ainda girava. Ela dormia tranqüila.


II.
Ela acordou suada. Despertara de susto, olhando de perto o rosto dele. Mudo, de boca aberta, voltado para cima, com o braço dobrado um pouco ao lado da cabeça. Fazia muito calor àquela noite, e o contato do corpo dele no dela fazia ambos transpirarem mais. Ele dormia pesado. Ela respirou aliviada por ele estar dormindo. Ele quase nunca conseguia dormir direito, não queria acordá-lo justo no sono mais profundo. Levantou o torso com cuidado, embora não o suficiente para que os cabelos não roçassem na barriga dele, que instintivamente se encolheu com as cócegas. Ela havia dormido do lado de fora da cama, mas estavam com as posições trocadas, e o lado dela agora dava de frente para a parede. Por sorte, ele não acordou, nem com as cócegas nem quando ela passou por cima dele para sair da cama. Espreguiçou-se em silêncio, abrindo os braços para o ventilador veloz e deixando que o suor da sua nuca e entre seus seios nus secasse lentamente com o vento. Teve sede.

Caminhou até a cozinha na ponta dos pés, não pelo barulho, mas por puro hábito de usar salto. Não se preocupou em acender a luz e abriu logo a geladeira e o congelador. Respirou o ar frio por um instante enquanto ele saia do eletrodoméstico para envolvê-la em seus braços incorpóreos. Agarrou um copo do secador de louças e serviu-se de água gelada. Arrancou em seguida os gelos da forma, sempre três, sempre depois do líquido já servido. Gostava de colocá-los um por vez no copo cheio e vê-lo quase transbordar. Bebeu aquela água como se fosse a mais deliciosa das bebidas, e realmente o era em seus lábios sedentos de sede. Fechou a geladeira e o congelador ao mesmo tempo, acabando com a suave brisa que havia livrado momentaneamente ela do calor. Olhou a cozinha.

Na pia ainda jazia um resto de louça suja da janta dos dois, mas ela não tinha vontade ou disposição para tratar disso agora. No cesto de frutas somente uma maçã provavelmente não muito boa, mas era sexta-feira e no sábado compraria muitos limões para a caipirinha, poderia comprar umas maçãs também e quem sabe um mamão. No fogão a chaleira onde aqueceria a água para o café quando amanhecesse, pois ele gostava de café passado na hora. Sobre o balcão onde largava as chaves, metade de uma barra de chocolate a olhava maliciosamente. Ela ficou em dúvida por um instante. Lembrou-se dos elogios do homem que agora dormia em sua cama fizera ao seu corpo na noite passada e decidiu que podia se dar ao luxo de comer um bom chocolate. Devorou-o por inteiro, vertendo mais dois copos de água com gelo e lambuzando os lábios no processo.

Foi até a pia e se lavou apenas com água, secando as mãos no corpo para se refrescar. Pensou por um instante se não deveria ter guardado um pedaço de chocolate para ele, mas era a casa dela e ele não gostava muito de chocolate, não se importaria. Pensou em ligar o som por um instante, num volume baixo, na sala de estar, mas mesmo assim acabaria por acordá-lo e desistiu da idéia. Caminhou um pouco sem pensar e da sala foi para a sacada. A brisa que passou foi deliciosa naquela noite quente. Ele havia deixado o cigarro no parapeito da janela, bem como seu isqueiro favorito, o prateado. Ela fumou com sua calma natural, distraindo-se com os poucos carros que passavam pela rua àquela hora. Não queria mais nada.


III.
Acordou deitado de bruços, babando no travesseiro. O braço, ainda dolorido devido ao peso do corpo sobre ele, certificava-se de que não havia ninguém ao lado na cama. Virou-se para cima e ficou a contemplar o giro veloz da hélice do ventilador de teto no escuro-claro do quarto. Levantou-se com o relógio marcando quatro e quinze da madrugada, embora os relógios dela estivessem sempre adiantados oito minutos, e ele soubesse que na realidade ainda eram quatro e sete.

Foi ainda nu até o banheiro. Lavou o rosto e o pescoço, numa tentativa infrutífera de se livrar do calor. Olhou fundo nos olhos cansados de seu rosto que apareciam espelho. Precisava dormir mais, essa insônia estava lhe matando. Entre o fechar da torneira e o abrir da porta do banheiro, ouve o bater das patas de unhas não cortadas de um gato contra o chão no apartamento ao lado. Segue o cheiro de fumaça amarga até a sacada da sala, de vista para a rua. Ela estava ali, o tempo todo. Os pés descalços na laje fria, os braços apoiados no parapeito da sacada, a calcinha preta aumentando a sensualidade das curvas voluptuosas de seu corpo iluminado de leve por um dos postes da rua, o cigarro na ponta dos dedos e a fumaça saindo de sua boca e sendo carregada por uma leve brisa noturna. As mais belas costas nuas que ele já havia visto. Abstraída da realidade em seu cigarro e nas luzes brilhantes da madrugada, não o notou se aproximando até que chegasse bem perto. Beijou sua nuca, eriçando os poucos pelos que ela tinha. Ela acabou o cigarro, inclinou a cabeça para trás e lhe beijou a face. A mão esquerda dele cobriu o seio excitado dela, massageando seu mamilo. A direita desceu pela barriga e entrou dentro da calcinha para penetrar o sexo dela. Transaram ali mesmo. Não importava se seriam flagrados, presos ou se os filmariam e colocariam na Internet. Não importava que estivesse quente, que estivessem cansados ou que pela manhã ela iria à feira e ele talvez não almoçasse com ela. Não importava o futuro deles, juntos ou não, ou o passado que tiveram. Não importavam as estrelas da noite, os carros velozes ou os gatos da vizinha. Nada importava, nem mesmo eles importavam mais. Só importava a vontade. Só importava o agora.

óóóóun. gostei, chando. li na melhor situação possível. mas eu não sei comentar, tipo assim.
saiba só que li. e que gostei. mesmo.

ah, também li o divórcio. :D

se minha namorada gostou eu assino embaixo e dou um tapinha!


mesmo já tendo lido e gostado seis vezes. confio mais nela do que em mim.

que lindo.

quando ela se levantou, meu cérebro-maníaco imaginou que ele estava morto.

que bom que não foi assim,
gostei mais da sua versão.

Uma lindeza Chando,
e céus, como eu adoro ler o que você escreve.

Bêjo-saudade-de-ti

olha, pra te ser bem sincera, eu sou muito crítca, e fico smepre procurando problemas nas coisas....acho que tu lembra né desse meu defeitinho....bom, isso as veze me causa probemas quando quero fazer o contrário e elogiar uma coisa linda e muito bem feita como o teu texto...
o negócio é que eu ainda to abobalhada,,...hehehehe
e não li ainda todos os teus posts pra fazer comparação, mas acho até melhor assim, fica um comentário mais limpo!
acho que tu podia esquecer cinema e fazer jornal, quem sabe letras...
Meu querido, resumindo, TU TEM O DOM!
Parabéns, inveja boa e ti!
hehehehe
ficarei esperando o próximo!

Super visual, nossa. E eu ainda tava ouvindo "walking after you" quando acabei de ler, não imagina como combinou

chando, tu tem que me prometer uma coisa agora. tu tem que me prometer, jurar por tudo que é mais sagrado nesse universo de melão que tu não vai em cicunstância alguma, DE JEITO NE-NHUM comer uma salada de alface com vinagre depois de tomar chá verde deppis de tomar café depois de tomar vodka com remédios. MESMO. é a pior dor do mundo!!!

fora isso, ATUALIZA ESSA PORRA QUE EU CANSEI DESSE TEXTO. e tenho dito. hunft!


luv ya :) afsguksdfudcgsjv quê!

et: tenho que falar com a laislá.

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